Gatestone, 14 de agosto de 2018
Por Burak Bekdil
- De acordo com o Fundo Turco de Filantropia, 40% das meninas com menos de 18 anos na Turquia são forçadas a se casarem.
- Em janeiro de 2018, um órgão do governo sob jurisdição do presidente Recep Tayyip Erdoğan sugeriu que, de acordo com a lei islâmica, meninas a partir dos 9 anos de idade e meninos a partir dos 12 podem se casar.
- "Baixa escolaridade" abrange quase toda a Turquia: a escolaridade média no país é de apenas 6,5 anos.
- Na Turquia não dá em nada abusar de uma menina de 13 anos de idade, mas mexer com o presidente são outros quinhentos.
Onde você gostaria que sua filha estivesse aos 13 anos de idade? Na escola ou na cama com um adulto? A resposta a uma pergunta dessa natureza é o óbvio ululante em grande parte do mundo. Nas sociedades islâmicas, no entanto, como na Turquia, que não é árabe e teoricamente secular, a resposta é um tiro no escuro. Normalmente nesses países o poder da polícia do governo não combate essa tradição patriarcal, muito pelo contrário, ela a apoia.
O ex-presidente da Turquia,Abdullah Gül ex-aliado e cofundador islamista do homem forte Recep Tayyip Erdoğan, do partido que governa a Turquia desde 2002, tinha 30 anos quando se casou com Hayrünnisa que na época tinha 15 anos. Gül, nomeado para a presidência por Erdoğan foi o primeiro presidente islamista da Turquia.
Os turcos conservadores, em vez de questionarem o casamento de Gül com uma criança, aplaudiram sua ascensão à presidência. O autor desse artigo foi advertido ao pé do ouvido de maneira nada educada, inúmeras vezes, por políticos do alto escalão a não levantar a lebre em sua coluna em qualquer outra publicação.
De acordo com o Fundo Turco de Filantropia (TPF), 40% das meninas com menos de 18 anos na Turquia são forçadas a se casarem. A TPF concluiu que a média nacional de evasão escolar no ensino médio do sexo feminino é de 56%. O Fundo também constatou que o casamento precoce acontece em maior número em famílias de baixa escolaridade . "Baixa escolaridade" abrange quase toda a Turquia: a escolaridade média no país é de apenas 6,5 anos. Em 45 províncias turcas a taxa de escolaridade está abaixo da média nacional.
O governo islamista no país, outrora secular, contribuiu para aumentar o problema das noivas crianças em vez de combatê-lo. Em novembro de 2017, o presidente Erdoğan assinou a "lei mufti", que permite aos clérigos aprovados pelo Estado (ou simplesmente imãs) conduzirem cerimônias de casamento, apesar da apreensão da sociedade civil de que a medida terá um impacto no casamento infantil.
Em janeiro de 2018, o Conselho Administrativo para Assuntos Religiosos (Diyanet), órgão do governo sob jurisdição de Erdoğan, sugeriu que, de acordo com a lei islâmica, meninas a partir dos 9 anos de idade e meninos a partir dos 12 podem se casar. Diyanet é responsável pela administração das instituições religiosas na Turquia. Seu Website reafirma que, de acordo com a lei islâmica, quem tiver atingido a idade da "adolescência" tem o direito de se casar. Esta "fatwa" (decisão jurídica baseada na lei islâmica) levou o principal partido de oposição do país, um grupo secular, a pedir uma investigação nos casamentos de crianças.
A chegada de cerca de três milhões de refugiados sírios à Turquia desde o início da guerra civil no país vizinho piorou ainda mais as coisas. A título exemplificativo, um assistente social do Hospital de Treinamento e Pesquisa Kanuni Sultan Süleyman do distrito de Küçükçekmece em Istambul revelou que o hospital tratou de 115 meninas grávidas menores de idade, entre as quais se encontravam 39 sírias, entre 1º de janeiro e 9 de maio de 2017. O assistente social queixou-se aos promotores que o hospital procura acobertar as gravidezes e não notificar às autoridades, conforme o requisito legal para o tratamento de todas as meninas grávidas com menos de 18 anos na Turquia. Exemplos dessa natureza são apenas a "ponta do iceberg"de acordo com Canan Güllü, chefe da Federação das Associações de Mulheres Turcas.
Um caso recente de abuso infantil relacionado a refugiados sírios é motivo de mal estar, não apenas para a cultura política turca que nutriu o mal, como também para o judiciário turco:
Fatma C., uma criança refugiada síria chegou a Ankara, capital da Turquia, com a família há quatro anos. Em 2017, de acordo com uma acusação, ela foi forçada a se casar com um parente de nome Abdulkerim J aos 13 anos de idade. Não foi um casamento civil mas religioso (legal à luz do Islã se conduzido por um imã). Fatma C. engravidou e foi levada para um centro de saúde local onde os responsáveis pelo centro informaram às autoridades competentes por ela ter menos de 18 anos.
Os promotores decidiram que o marido da menina e a mãe dela, Emani B., deveriam ser julgados por forçarem uma menina menor de idade a se casar. De modo que houve um julgamento. Mas um tribunal em Ancara decidiu na primeira audiência pela absolvição. Os réus afirmaram que não conheciam a lei turca sobre o casamento e que a menina havia se casado "de acordo com a lei síria". Um promotor público turco extraordinariamente tolerante decidiu que o "casamento não ocorreu com a intenção de infringir a lei".
"É regra universal que não conhecer a lei não é desculpa quando ela é infringida", salientou Ceren Kalay Eken, advogada da Ordem dos Advogados de Ancara. "O lugar adequado para uma menina de 13 anos é na sala de aula, não cuidando do berço."
É impressionante o quão complacente e tolerante a Segurança Pública pode ser quando os criminosos agem motivados pelas rígidas tradições e valores islâmicos. Na mesma hora em que os abusadores da noiva criança foram liberados na primeira audiência, outro tribunal em Ancara prendeu quatro estudantes universitários por exibirem um cartaz na cerimônia de formatura considerado pelo tribunal ofensivo ao presidente Erdoğan. Na Turquia não dá em nada abusar de uma menina de 13 anos de idade, mas mexer com o presidente são outros quinhentos.
Burak Bekdil, um dos principais jornalistas da Turquia, foi recentemente demitido do jornal mais importante depois país após 29 anos de trabalho, por ter escrito para o Gatestone Institute sobre o que está acontecendo na Turquia. Ele também é Fellow do Middle East Forum.
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