2 de abr. de 2025

Um Implante Cerebral Acaba de Transformar os Pensamentos de uma Mulher em Fala em Tempo Quase Real




ZMSCE, 01/04/2025



Por Tibi Puiu



Essa tecnologia restaura a fala em tempo real para pessoas que não podem falar, utilizando apenas sinais cerebrais.

Em um hospital na Califórnia, uma mulher que não falava há quase duas décadas articulou silenciosamente as palavras: "Por que ele te disse isso?" Momentos depois, uma voz sintética — treinada a partir de um único clipe gravado antes de um AVC roubar sua fala — reproduziu as palavras em voz alta.

As palavras não foram digitadas nem escolhidas em um menu. Elas vieram diretamente de seu cérebro.

Pesquisadores da Universidade da Califórnia, em São Francisco, desenvolveram um implante cerebral capaz de traduzir pensamentos em fala com uma velocidade próxima à de uma conversa real. Esse avanço marca um ponto de virada para as interfaces cérebro-computador (BCIs, na sigla em inglês) — tecnologias que decodificam sinais neurais para ajudar pessoas a se comunicarem.

"Este é o estágio em que estamos agora", disse Edward Chang, neurocirurgião e coautor do estudo, à revista Nature. "Mas você pode imaginar que, com mais sensores, maior precisão e processamento de sinal aprimorado, essas tecnologias só vão evoluir e melhorar."

Uma Quebra no Silêncio

A paciente, uma mulher chamada Ann, perdeu a capacidade de falar após um AVC no tronco cerebral em 2005. No novo estudo, ela passou por uma cirurgia para implantar um dispositivo ultrafino sobre a superfície de seu cérebro, contendo 253 eletrodos. O conjunto foi colocado sobre seu córtex cerebral, onde se originam os sinais neurais relacionados à fala. A cada 80 milissegundos, o sistema registrava os impulsos elétricos enquanto ela articulava palavras silenciosamente.

Para interpretar esses padrões neurais, a equipe recorreu à inteligência artificial. Os algoritmos foram treinados para reconhecer os sinais cerebrais de Ann e associá-los a sons, palavras e frases específicas.

Neuropróteses anteriores frequentemente dependiam da previsão de frases inteiras antes de gerar qualquer saída, o que causava longos atrasos. Em contraste, o novo sistema processa sinais cerebrais no mesmo tempo que leva para piscar os olhos.



O resultado é uma fala transmitida em tempo quase real, atingindo velocidades de até 90 palavras por minuto para determinados conjuntos de frases. Isso é mais de três vezes a velocidade do dispositivo assistivo anterior de Ann, que levava cerca de 23 segundos por sentença. Agora, o sistema converte pensamentos em palavras audíveis em menos de três segundos.

E o mais impressionante: os pesquisadores conseguiram restaurar a voz original da paciente.

Recuperando uma Voz Perdida

Usando o áudio de seu vídeo de casamento, os pesquisadores criaram uma voz sintética modelada a partir de como ela soava no passado. Quando o computador falava, era como se ela mesma estivesse falando.

Isso é um grande avanço”, disse Christian Herff, neurocientista computacional da Universidade de Maastricht, na Holanda, que não participou do estudo. “Os sistemas antigos são como uma conversa no WhatsApp: eu escrevo uma frase, você escreve uma frase, e há um tempo de espera entre cada resposta… simplesmente não flui como uma conversa normal.”

Um dos principais feitos do sistema foi operar sem precisar de qualquer som do usuário durante o treinamento. Modelos tradicionais dependem de fala audível para alinhar os sinais cerebrais às palavras — algo impossível para aqueles que não conseguem falar.

Em vez disso, a equipe utilizou um modelo de fala auto-supervisionado chamado HuBERT, capaz de aprender padrões fonéticos a partir do áudio sem precisar de transcrições. Eles alimentaram o sistema com fala sintética como referência — como fornecer um mapa com estradas imaginárias — e permitiram que ele descobrisse o terreno com base apenas nos sinais neurais.

Essa inovação significa que o sistema poderia funcionar até para pessoas que nunca conseguiram falar ou que perderam a fala ainda na infância.

Diferente de métodos anteriores, que funcionavam apenas em curtos períodos, o novo sistema é capaz de decodificar fala contínua por vários minutos seguidos.

Os pesquisadores também testaram o sistema com palavras inéditas não vistas durante o treinamento — como “Zulu” e “Quebec” — e descobriram que ele conseguiu gerar fala inteligível em 46% das vezes, um desempenho significativamente melhor do que o acaso.

O Que Vem a Seguir?



Até agora, o decodificador de fala em tempo real foi testado apenas em um participante. A tecnologia ainda está em fase de protótipo. Embora algumas frases geradas fossem perfeitas, outras saíam distorcidas. Em um caso, a paciente tentou dizer “Acabei de chegar”, mas o sistema produziu “Eu disse para esconder isso”.

O sistema atual funciona melhor com um vocabulário limitado — 1.024 palavras e 50 frases predefinidas. Apesar de ser mais rápido do que versões anteriores, ainda há um atraso perceptível na resposta.

Quando o atraso passa de 50 milissegundos, a comunicação começa a ficar confusa”, explicou Herff.

Ainda assim, o potencial é enorme. Se refinada, essa tecnologia poderia resultar em neuropróteses de nível clínico, permitindo que pessoas com paralisia severa se comuniquem naturalmente novamente — não através de vozes robóticas ou quadros alfabéticos, mas com suas próprias palavras e suas próprias vozes.

Agora, os pesquisadores trabalham para testar o sistema em mais participantes e melhorar sua precisão. Eles também esperam reduzir o tamanho do hardware e torná-lo mais portátil. No futuro, um dispositivo como esse poderia funcionar como um aplicativo de smartphone, traduzindo pensamentos em fala em tempo real.

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Fonte:https://www.zmescience.com/science/news-science/a-brain-implant-just-turned-a-womans-thoughts-into-speech-in-near-real-time/ 

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