RM, 16/02/2025
O ex-comissário europeu Thierry Breton certamente pensa que sim.
Uma grande controvérsia surgiu em resposta às declarações do ex-comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, no mês passado, sobre o suposto poder da União Europeia de anular resultados eleitorais em seus estados-membros. Breton fez essa afirmação no canal de televisão francês RMC Story. Ao falar sobre as próximas eleições nacionais na Alemanha e a expectativa de que o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) tenha um bom desempenho, Breton comentou que “fizemos isso na Romênia e, obviamente, faremos isso na Alemanha, se necessário.”
🇩🇪🇪🇺Thierry Breton's statement on canceling Germany's elections translated to English.
— Remix News & Views (@RMXnews) January 13, 2025
Breton said if the EU Commission decides that the election in Germany was subject to "foreign interference," they would annul the election as they did in Romania's presidential election pic.twitter.com/3433nU8ya9
Breton estava se referindo à eleição presidencial de novembro na Romênia, onde os resultados foram anulados após o populista de direita Călin Georgescu ter vencido inesperadamente com a maioria dos votos. O Tribunal Constitucional da Romênia afirmou que essa medida foi necessária devido a uma suposta campanha de interferência russa online ocorrida antes da eleição.
Breton não especificou quem era o “nós” em sua declaração, mas, sendo um político de Bruxelas, a maioria presumiu que ele se referia à União Europeia.
A anulação da eleição romena tornou-se um tema de repercussão global. Nesta semana, o vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, mencionou especificamente o incidente para destacar uma suposta falta de democracia na Europa enquanto criticava as elites europeias na Conferência de Segurança de Munique.
JD Vance calls the European leaders gathered at the Munich Security Conference a bunch of HYPOCRITES for claiming to value “democracy” while actively working to overturn Romania’s recent election.
— Charlie Kirk (@charliekirk11) February 14, 2025
THIS is what real American leadership looks like. 🇺🇸🇺🇸 pic.twitter.com/XpSKSOdotC
Além disso, András László, um eurodeputado húngaro do partido Fidesz, de Viktor Orbán, também chamou atenção ao responder à declaração de Breton na plataforma X (antigo Twitter), afirmando que a União Europeia “se recusa a respeitar as normas democráticas.” Ele acusou a UE de estar disposta a “cancelar a democracia” quando o resultado das eleições nacionais não lhe agrada. O empresário Elon Musk, líder do recém-criado Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) dos EUA, que já criticou fortemente a UE, retuitou a postagem de László com um simples comentário: “Exatamente.”
Exactly https://t.co/2LakSM794f
— Elon Musk (@elonmusk) January 11, 2025
Diante da polêmica, o site húngaro de checagem de fatos Faktum decidiu investigar a veracidade das declarações do eurodeputado László. Essa questão se torna ainda mais relevante em relação à Lei de Serviços Digitais (DSA) da UE, adotada em 2022 e em vigor desde 2024. Entre suas diretrizes, a DSA obriga plataformas online a censurar conteúdos a pedido de burocratas de Bruxelas quando estes supostamente violam a legislação da UE. Além disso, a lei exige maior transparência quanto à origem de anúncios políticos.
Diversas empresas online, como o gigante dos mecanismos de busca Google, indicaram que não irão cumprir a DSA. A plataforma X, de Elon Musk, também foi acusada pela UE de violar a lei ao disseminar conteúdos políticos “problemáticos”. Musk, por sua vez, nega as acusações e afirma que a UE está apenas tentando censurar opiniões contrárias.
Embora isso ainda não tenha ocorrido, existe a possibilidade de que um governo de um estado-membro da UE utilize a DSA ou outras leis europeias para anular os resultados de uma eleição nacional caso não goste do desfecho. Afinal, segundo os tratados que regem a UE, os tribunais nacionais são responsáveis por fazer cumprir tanto as leis da UE quanto as leis domésticas.
Embora a UE não tenha estado diretamente envolvida na anulação das recentes eleições na Romênia — pelo menos não oficialmente —, acompanha de perto os desdobramentos do caso, que pode servir como um teste para a aplicação da DSA em futuras situações semelhantes. Isso ficou ainda mais evidente quando a Comissão Europeia abriu sua própria investigação sobre uma suposta interferência russa nas redes sociais durante o pleito romeno.
Polish President @AndrzejDuda has warned of EU interference in his country's upcoming presidential election, citing the recent annulment of Calin Georgescu's first-round presidential election victory in Romania as a cautionary tale.
— Remix News & Views (@RMXnews) February 6, 2025
Read more: https://t.co/ZFG4EJBOCF pic.twitter.com/focO6LQ0IS
Outro ponto controverso é o duplo padrão de Bruxelas em relação à “interferência estrangeira”. András László destacou em sua postagem que a UE permaneceu em silêncio, quando a oposição unificada de Viktor Orbán na Hungria recebeu US$ 10 milhões de fontes anônimas dos EUA e da Suíça, antes das eleições nacionais húngaras de 2022. Também era amplamente sabido que a embaixada dos EUA apoiou financeiramente as operações midiáticas da oposição naquele período. (A Comissão Europeia, naturalmente, nega qualquer viés e insiste que sua capacidade de intervenção em casos de interferência eleitoral é limitada, sendo essa uma responsabilidade dos estados-membros.)
Em resposta a esses eventos, o Parlamento Húngaro aprovou, em 2023, uma legislação que criou o Escritório de Defesa da Soberania, encarregado de prevenir interferências estrangeiras, investigando ONGs e outras instituições financiadas do exterior. A União Europeia respondeu levando a Hungria ao Tribunal de Justiça da UE, alegando que essa medida viola a Carta de Direitos Fundamentais da UE.
A situação na Alemanha
Na Alemanha, a integridade das eleições é garantida pela Lei Federal das Eleições. Esse também é o mecanismo legal pelo qual um resultado eleitoral pode ser contestado. O órgão responsável por revisar os resultados em casos suspeitos de fraude é o Tribunal Constitucional Federal.
No entanto, nunca houve precedentes na história moderna da Alemanha de uma eleição anulada por interferência estrangeira. O Faktum considera improvável que o tribunal alemão considere uma violação das diretrizes da UE sobre redes sociais como motivo suficiente para invalidar um resultado eleitoral.
Se o governo alemão encontrasse evidências de interferência estrangeira em uma eleição, primeiro lançaria uma investigação antes de tomar qualquer medida drástica de anulação dos resultados. Além disso, seria necessário apresentar provas claras e extensivas de interferência externa. Isso contrasta com o que aconteceu na Romênia, onde o sistema legal eleitoral é diferente do alemão. Portanto, as chances de que as eleições nacionais alemãs sejam anuladas pelos tribunais são muito baixas.
O futuro da Lei de Serviços Digitais (DSA) na Europa
Ainda não está claro como a DSA afetará a política nacional nos países da UE. Todos concordam com a necessidade de proteger as eleições contra influência estrangeira na era das redes sociais, mas há divergências sobre a forma como isso deve ser feito.
Os liberais veem a DSA como um mecanismo essencial para combater interferências externas.
Já os conservadores temem que a lei possa restringir a liberdade de expressão e ser usada para censura política.
Apenas o tempo dirá como a DSA será aplicada na prática.
No caso da Alemanha, no entanto, podemos dizer que a afirmação de Thierry Breton de que a UE anularia os resultados das eleições se o AfD tiver um bom desempenho é bastante exagerada.
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Fonte:https://rmx.news/article/could-the-eu-overturn-the-german-election-results-if-the-afd-does-well/
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