Prólogo.
O ministro Tusk diz que a Turquia é um exemplo de direitos humanos. Ele deveria perguntar isso para as mulheres nos alojamentos, que são abusadas e comerciadas como se fossem pedaços de carne, assim como as meninas.
DN, 24 de abril de 2016.
Por Patrícia Viegas.
Chanceler alemã ouviu líder turco dizer que quer dinheiro prometido pela UE para os sírios, liberalização de vistos em junho e abertura de um novo capítulo nas negociações de adesão
Angela Merkel foi ontem à Turquia visitar o campo de refugiados de Nizip 2, em Gaziantep, na esperança de dar um novo fôlego à implementação do acordo UE-Ancara, em vigor desde 20 de março. "Hoje vimos de perto os esforços que a Turquia tem feito no que toca à questão dos refugiados. Foi muito importante ter esta visão no terreno", disse a chanceler alemã, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro turco, o presidente do Conselho Europeu e o vice-presidente da Comissão Europeia, respetivamente, Ahmet Davutoglu, Donald Tusk e Frans Timmermans
O líder turco e os responsáveis europeus inauguraram um centro de proteção para crianças em Gaziantep em conjunto com a Unicef. "As crianças são as que mais sofrem com a tragédia na Síria. Temos que encontrar uma solução para a pior crise humanitária desde a Segunda II Mundial. Somos todos responsáveis por encontrar uma solução", disse Davutoglu, sublinhando que os turcos farão a sua parte e por isso também esperam que a UE cumpra a sua.
À luz do acordo UE-Turquia, Ancara comprometeu-se a receber migrantes e refugiados que entraram ilegalmente na Grécia. Assim, por cada refugiado sírio que entre na Turquia, vindo da Grécia, outro é reencaminhado para um país da União Europeia (num limite de até 72 mil vagas disponíveis). Enquanto a Comissão Europeia esperava recolocar pelo menos seis mil pessoas por mês e chegar a meados de maio com um total de 20 mil pessoas recolocadas, até agora apenas 208 pessoas foram recolocadas à luz do acordo UE-Turquia. Além deste mecanismo, a UE comprometeu-se a dar aos turcos apoio financeiro no valor de três mil milhões de euros, tendo eles exigido posteriormente mais três mil milhões. "Estamos aqui para fazer esta ajuda visível e a UE, como prometido, vai mobilizar a ajuda prometida", acrescentou ontem o chefe do governo turco.
Ancara registou a entrada de 2,7 milhões de refugiados sírios no seu território e, com isso, logrou ligar a crise migratória ao seu processo de negociações de adesão à UE. "Haverá liberalização de vistos em junho. É essa a nossa promessa aos cidadãos turcos. Em junho, também, o capítulo 33.º será aberto. Assim esperamos que aconteça", prosseguiu Davutoglu. Já na sessão de perguntas dos jornalistas, o líder turco garantiu que o acordo entre a UE e a Turquia e a liberalização dos vistos estão ligados.
Para que seja concedida, Ancara tem de cumprir 72 condições do acordo até dia 4 de maio, mas fontes diplomáticas citadas pela BBC e familiarizadas com o ritmo de implementação do acordo dizem que só metade dessas condições foram até cumpridas. A 4 de maio a Comissão Europeia divulgará um relatório sobre o assunto. Sobre o tema a chanceler alemã limitou-se a sublinhar o acordado, o que os turcos têm que fazer e a constatar que a Comissão Europeia irá divulgar então a sua avaliação.
O campo de refugiados que os responsáveis europeus ontem visitaram acolhe em prefabricados cerca de cinco mil refugiados sírios, entre os quais 1.900 são crianças, segundo números oficiais. "A Turquia é o melhor exemplo para o mundo de como se deve tratar os refugiados e não tem lições a receber por parte de ninguém", declarou Donald Tusk. "Nós, europeus, devemos dizer que vocês não estão sós e temos que mostrar a mesma solidariedade do lado europeu", afirmou Frans Timmermans.
A segurança foi reforçada para a visita da chanceler alemã, do presidente do Conselho Europeu e do vice-presidente da Comissão. Seis estrangeiros suspeitos de ligações ao Estado Islâmico foram detidos na Turquia e acusados de estarem a planejar um ataque contra "dignitários de Estado". As detenções ocorreram durante a madrugada de ontem em Konya, que fica no centro da Turquia.
Crítico da abordagem alemã em relação à crise migratória, o primeiro-ministro da Hungria acusou a UE se entregar à Turquia. "Nós, membros da UE, já pagámos três mil milhões de euros à Turquia, em breve teremos de pagar três mil milhões suplementares. Impossível de prever onde isto vai acabar. Entregámo-nos à Turquia. Tal coisa não é nunca boa", disse Viktor Órban numa entrevista ontem publicada pelo semanário económico alemão Wirtschaftswoche.
Segundo uma sondagem publicada na sexta-feira pela estação pública de televisão alemã ZDF, 80% dos alemães pensam que é preciso desconfiar da fiabilidade da Turquia no que toca à crise migratória. E três em cada cinco alemães desaprovam a decisão de Merkel em aceitar o pedido da Turquia no sentido de abrir um processo contra o humorista Jan Böhmermann. Este declamou, a 31 de março, um poema de conteúdo sexual referente ao presidente Recep Erdogan no programa "Neo Magazin Royale", transmitido na ZDF.
Questionada sobre este caso e sobre as restrições à liberdade de imprensa na Turquia, Merkel afirmou que essa preocupação "já foi expressa várias vezes". E que os europeus falam com os turcos "sobre estes assuntos de uma forma muito franca e aberta". Em resposta, Davutoglu afirmou por sua vez: "Sabemos que os europeus discutem tudo de forma aberta. O que não podemos aceitar é que as pessoas só tenham uma visão de nós a partir do exterior". E numa referência ao caso do humorista alemão Jan Böhmermann, o primeiro-ministro turco esclareceu o que o seu país não pode tolerar: "Insultos contra o nosso presidente".
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