PHYS, 14/09/2023
Por Féderic Keck
De todos os vírus recentemente emergentes e potencialmente pandêmicos, o vírus da gripe aviária altamente patogénico (HPAI) H5N1 é um dos mais ferozes. Detectada pela primeira vez em Hong Kong em 1997, espalhou-se pelo resto do mundo com uma taxa de mortalidade de 60% quando transmitida de aves para humanos. A Organização Mundial da Saúde declarou em agosto de 2023 que foram registrados 878 casos e 458 mortes desde 1997.
Nos últimos dois anos, assistiu-se à circulação de uma nova estirpe do vírus entre aves selvagens e domésticas na Europa e nas Américas, com elevada mortalidade aviária. Até agora, os seres humanos parecem ter sido poupados, com cinco casos registrados desde o início de 2023. As autoridades de saúde internacionais estão, no entanto, atentas às mutações do vírus e prescrevendo medidas rigorosas para controlar a sua propagação.
Mas as autoridades de saúde francesas também não estão paradas, dando pela primeira vez luz verde à vacinação contra a gripe aviária no país e introduzindo esquemas de monitoramento inovadores. O setor agrícola do país não está disposto a correr riscos, depois do último surto de H5N1 em 2022 ter resultado no abate de 21 milhões de aves em França, a um custo estimado de 1,5 milhões de euros. Na altura, os serviços de saúde que vieram para “despovoar” os edifícios ficaram tão sobrecarregados com a escala da tarefa que muitos agricultores tiveram de sacrificar eles próprios as suas aves, por vezes sem outros meios senão cortar a ventilação dos edifícios. Estes abates minaram não só a viabilidade da indústria avícola, mas também os padrões de bem-estar animal e o moral dos agricultores.
Disparidades entre grandes e pequenas propriedades
As autoridades sanitárias francesas impuseram medidas de contenção e higiene (respectivamente referidas como "abrigo" e "biossegurança") nas explorações avícolas para protegê-las do risco de transmissão da gripe aviária por aves selvagens. Tal como salientado num relatório da Assembleia Nacional Francesa, estas medidas tiveram um impacto negativo significativo nas explorações avícolas caipiras de pequena escala, uma vez que as operações industriais em grande escala foram mais facilmente capazes de integrar os custos.
A Confédération Paysanne, o sindicato progressista dos agricultores franceses, negociou com as autoridades sanitárias medidas adaptadas à agricultura ao ar livre em pequena escala. Tanto os relatores da Assembleia, como os sindicatos de agricultores, salientam que a diversidade genética nas pequenas explorações pode proporcionar uma forma de imunidade contra os vírus emergentes. Este não é o caso das explorações fechadas, onde as medidas de biossegurança podem acentuar a vulnerabilidade das aves, que são geneticamente padronizadas e enfraquecidas pelo uso de antibióticos.
A França introduz vacinação aviária
Após os abates massivos da Primavera de 2022, os criadores de aves pediram às autoridades de saúde que tornassem acessível a vacinação contra a gripe aviária. Até recentemente, a regulamentação europeia proibia tal vacinação, pois torna impossível saber se as aves exportadas estão isentas do vírus, mas esta proibição foi levantada este ano. Na Ásia, países como a China e o Vietnã, com elevados níveis de consumo doméstico de aves, vacinam os seus rebanhos contra a gripe aviária, enquanto aqueles com elevadas exportações, como a Tailândia, não o fazem. Na França, 40% do valor produzido pelo sector avícola provém das exportações, embora metade da carne de aves consumida seja importada. Apenas as aves criadas em zoológicos franceses são vacinadas.
A Agência Nacional Francesa de Segurança Sanitária, Anses, realizou experiências sobre a vacinação de patos portadores de vírus da gripe aviária de forma assintomática. Estas experiências foram realizadas primeiro em pequenas explorações agrícolas no sudoeste da França e depois em biotérios num laboratório na Bretanha. Os resultados foram considerados suficientemente positivos para que o Ministério da Agricultura anunciasse uma campanha de vacinação, para patos de criação no outono de 2023, permitindo um tempo de produção de 6 a 8 meses.
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| Galinhas transportadas de bicicleta em Suzhou, China, em 2009 |
A dificuldade técnica de vacinar aves de capoeira reside na sua curta vida útil em comparação com outros animais de criação (cerca de 60 dias), e no fato de serem necessárias duas doses para que a vacina seja eficaz. Os agricultores apontam que a primeira dose pode ser injetada ao nascer (como é o caso da vacinação contra a doença de Newcastle), mas os laboratórios farmacêuticos estimam que 75% do custo da vacinação se deve ao manuseamento da vacina e ao acompanhamento pós-vacinação. A vacinação não pode ser realizada em grande escala na França devido à diversidade de espécies aviárias e estirpes virais.
A Anses emitiu as seguintes recomendações:
- Vacinação de patos como medida preventiva e experimental.
- Vacinação de aves em caso de surto de H5N1 como medida de emergência.
- Quando um surto de gripe aviária é detectado em áreas vacinadas, apenas a granja afetada deve ser abatida, e não as próximas.
Os especialistas salientam que a vacinação não permitirá às autoridades de saúde evitar outras medidas sanitárias, como a vigilância de estirpes de vírus em tempos normais e o abate de aves em situações de emergência. A vacinação contraria os riscos de libertação de estirpes de H5N1, que podem sofrer mutação e amplificar-se no nicho ecológico aberto pela destruição de outras estirpes.
Galinhas sentinela
O sistema DIVA (Diferenciação de Animais Infectados de Vacinados) é prescrito pelas autoridades de saúde para distinguir entre vírus introduzidos pela vacinação, e aqueles que anunciam um novo surto de infecção. Este sistema pode ser inspirado nas medidas adotadas em Hong Kong, onde galinhas não vacinadas são colocadas nas entradas das explorações para servirem de sentinelas. O termo chinês shaobingji refere-se a essas galinhas como “soldados” que soam o alarme sobre a presença do vírus.
No entanto, a vacinação oferece aos agricultores a esperança de restabelecer um “contrato doméstico” com as suas aves, entre a angústia diária de encontrar uma ave doente e a desolação de ter que abater um “lote” inteiro. Os termos do debate sobre a gripe aviária – entre contenção e vacinação – parecem repetir aquele que ocorreu em torno da COVID-19 três anos antes, como se as populações humanas e aviárias estivessem sujeitas à mesma “biopolítica” que consiste, nas palavras de Michel Foucault, de “fazer viver as populações e deixá-las morrer”.
Quando os animais são vacinados, eles deixam de ser vistos como mercadorias que podem ser abatidas em caso de defeito. Em vez disso, voltam a ser seres vivos que são cuidados devido ao risco para a sua espécie e para a nossa.
Aves selvagens e aves domésticas
A insistência dos especialistas na necessidade de continuar a monitorizar as aves selvagens e domésticas também mostra que a vacinação, embora possa aliviar o fardo moral dos avicultores, não resolve de forma alguma os problemas ecológicos colocados pela agricultura industrial orientada para a exportação.
Num contexto das mudanças climáticas, que também afetam as trajetórias migratórias das aves selvagens, os avicultores podem desempenhar o papel de sentinelas, notificando casos de aves doentes encontradas nos seus campos. O Gabinete Francês para a Biodiversidade e a Liga para a Proteção das Aves, salientaram que o número de aves selvagens portadoras da gripe aviária aumentou de tal forma que os especialistas em vida selvagem não conseguirão contá-las.
Os especialistas ainda não falam em vacinar aves selvagens contra a gripe, algo que seria tecnicamente impossível e moralmente duvidoso. No entanto, a gripe aviária não só forçou as autoridades de saúde a inovar nas estratégias de prevenção e contenção, mas também esbarrou na divisão que há muito separa a gestão do gado e a vigilância da vida selvagem.
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Fonte:https://phys.org/news/2023-09-france-bird-vaccination-scheme-h5n1.html
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