Gatestone, 16 de maio de 2019
Por Judith Bergman
- O estarrecedor é que um órgão do estado ameaçou tirar uma filha adotiva de sua única família, não porque havia a menor suspeita de maus-tratos à criança, mas porque a mãe adotiva exercia a liberdade de expressão.
- "Se as pessoas começarem a mudar suas declarações legais e democráticas porque alguém quer lhes fazer algum mal ou tentar assassiná-las, então a democracia já era. De modo que não estou errado, há uma ameaça contra a minha pessoa ... Nós não acreditamos que os agressores e assassinos devam decidir onde estão os limites da liberdade de expressão..." — Rasmus Paludan, presidente do partido dinamarquês anti-Islã Stram Kurs.
- O princípio que está em jogo aqui é se a liberdade de expressão, independentemente do que ou quem insulta, pode ser garantida quando é confrontada com violência e vandalismo.
Nas últimas semanas na Dinamarca, o tema liberdade de expressão alcançou projeção nos noticiários.
Em março deste ano, Jaleh Tavakoli ferrenha crítica do Islã, blogueira dinamarquesa/iraniana, autora do livro Public Secrets of Islam, foi ameaçada pelo Departamento de Serviço Social (SocialtilsynØst) que perderia a guarda da filha adotiva por ter compartilhado um vídeo online do estupro e assassinato de duas jovens escandinavas perpetrado por terroristas do Estado Islâmico no Marrocos. Ela foi notificada por meio de uma carta da Defensoria Pública que ela e seu marido que haviam sido aprovados para se tornarem pais adotivos, ambos estavam criando a menina de 8 anos desde que era recém-nascida, e que o direito à adoção foi rescindido, sendo que a menina poderia ser tirada deles, visto que a autoridade competente deliberou que eles "não preenchiam as condições necessárias para a adoção". A notificação também salientava:
"Via de regra a família adotiva aprovada assume a especial incumbência quanto ao cuidar de crianças com necessidades especiais, de modo que a moral e a ética da família devem estar como um todo acima de qualquer suspeita".
Na carta, o Departamento de Serviço Social menciona que Tavakoli foi acusada, mas não condenada segundo o direito penal dinamarquês, por compartilhar o vídeo do assassinato de Louisa Vesterager Jespersen por um jihadista. De acordo com a lei dinamarquesa, é ilegal "divulgar indevidamente mensagens ou imagens relacionadas a assuntos pessoais de terceiros ou fotos em outras situações da pessoa em questão... em circunstâncias passíveis de serem... obrigadas a ficarem fora da esfera pública".
Tavakoli explicou que ela compartilhou o vídeo porque a mídia internacional estava relatando que a dinamarquesa tinha sido decapitada, uma vez que essa informação não constava na mídia dinamarquesa.
O Departamento de Serviço Social escreveu a Tavakoli:
"Pode se tornar problemático para a sua filha adotiva o fato de você, Jaleh, ser acusada de cometer um crime doloso devido ao seu compartilhamento do vídeo como parte de sua participação pública no debate... do jeito que você, Jaleh, escolheu se expor e se comunicar politicamente na questão atual de compartilhar um vídeo violento... e o fato de você aparecer ao debate público... na principal mídia dinamarquesa, impressa e eletrônica, poderá comprometer seu papel de mãe adotiva... que você, Jaleh, como um dos mais importantes exemplos para a sua filha adotiva ser tão fortemente exposta e, neste contexto, passar para frente um vídeo extremamente violento, pode constituir uma situação complicada para a sua filha adotiva... Que você, Jaleh, mediante seu comportamento nas redes sociais no presente caso, não tenha agido como 'modelo digital', como se espera de uma mãe adotiva... Nesse contexto, suas atividades podem confundir e causar sérias dúvidas em uma criança em relação à maneira de agir no universo digital... "
"Trata-se do pior tipo de abuso de poder que eu já vi" ressaltou o advogado dinamarquês Karoly Németh, que representa Tavakoli e o marido dela. A carta do Departamento de Serviço Social causou indignação generalizada na Dinamarca, incluindo políticos de todo o espectro político. A Ministra responsável pelos assuntos sociais da criança, uma espécie de Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Mai Mercado, postou no Facebook:
"Estou sem palavras. Não posso entrar em detalhes visto que o caso ainda não está solucionado. Devo dizer com toda a clareza que, se as regras, de alguma forma, fazem com que as crianças em um orfanato sejam pegas (no sistema), então estou pronta para mudar as regras imediatamente e já fui informada de que isso pode ser urgentemente resolvido caso necessário".
Desde que enviou a carta, ao que parece, o Departamento de Serviço Social está voltando atrás. Os encarregados enviaram uma nova carta a Tavakoli e a seu marido na qual consta que "gostariam de observar que a supervisão social não tem a intenção de pautar o caso em relação à liberdade de expressão da família adotiva, visto que as famílias adotivas têm direito à mesma liberdade de expressão que os demais cidadãos da Dinamarca".
O caso está em andamento e Tavakoli ainda não recebeu a resposta definitiva sobre a sorte da filha adotiva. O estarrecedor é que um órgão do estado ameaçou tirar uma filha adotiva de sua única família, não porque há a menor suspeita de maus-tratos à criança, mas porque a mãe adotiva exerce a liberdade de expressão.
Em outra investida para amordaçar a liberdade de expressão, o órgão de imprensa dinamarquês pertencente ao governo e financiado com dinheiro do contribuinte , que abrange rádio, televisão e internet, DR (anteriormente Danmarks Radio), também conhecido como dr.dk., entrou em contato com o Facebook no início de abril, reclamando da 24nyt.dk um pequeno e independente site de mídia na Internet dinamarquesa. O site tem sido crítico em relação à UE, no tocante às consequências da imigração muçulmana à Dinamarca e do establishment dinamarquês como um todo. Após a DR registrar a reclamação ao Facebook, a rede social excluiu a página do 24nyt.dk. "Na semana passada, a DR entrou em contato com o Facebook apresentando inúmeros fatos e perguntas com respeito às atividades da 24nyt em sua plataforma", segundo salientou a DR em um artigo em seu site.
"O Facebook confirma em uma mensagem de texto enviada à DR News que, com base nesse estudo (conduzido pela DR em relação à 24nyt], a rede social encerrou a conta da 24nyt, mas ainda não puseram em pratos limpos o porquê do encerramento."
Mais tarde, a DR, sem mais nem menos, reformulou o palavreado do artigo no sentido de não admitir o papel crucial da DR adiantando:
"O Facebook comunica à DR que a rede social encerrou a conta da 24nyt devido ao seu 'comportamento não autêntico e enganoso'. Até agora o Facebook não explicou o que isso significa".
Johan Farkas, especialista em redes sociais da Universidade Malmö na Suécia, considerou a medida "extraordinária". "É algo realmente inusitado o Facebook jogar fora um site de mídia dinamarquês. Pelo que eu sei, esta é a primeira vez ... ", salientou ele.
É possível que a DR queira que a pequena agência de notícias 24nyt.dk seja retirada do Facebook por ela ser uma concorrente. Segundo um artigo da DR:
"No ano passado, a 24nyt atingiu a marca de 295 mil curtidas, respostas, compartilhamentos e comentários no Facebook. A DR descobriu isso com base em dados do Facebook. Dito isso, a relativamente jovem 24nyt.dk obteve mais interações do que o diário Børsen de boa penetração e está encostando no patamar dos jornais de grande circulação Information e KristeligtDagblad."
O timing do encerramento também é digno de nota. As eleições gerais na Dinamarca terão lugar o mais tardar em 17 de junho de 2019. Além disso, as eleições para o Parlamento Europeu estão programadas de 23 a 26 de maio de 2019. A 24nyt.dk não é somente crítica às políticas de imigração da UE e da Dinamarca, mas também das políticas do establishment político.
É aceitável que uma mídia estatal com poder de um rolo compressor como a DR, esmague um pequeno concorrente privado sem financiamento público e consiga fazer com que o Facebook exclua a sua página oficial da plataforma? Ao que tudo indica, praticamente ninguém da grande mídia ou do establishment político na Dinamarca dá a mínima.
Os limites da liberdade de expressão na Dinamarca foram testados mais drasticamente, no entanto, quando em 14 de abril, Rasmus Paludan, presidente do pequeno partido anti-islâmico, Stram Kurs, que quer concorrer nas próximas eleições, realizou uma de suas inúmeras manifestações contra o Islã, desta vez no bairro de Copenhague. Nørrebro, que conta com uma alta porcentagem de residentes muçulmanos. Paludan, que se autodenomina "soldado da liberdade, protetor dos fracos, guardião da sociedade, luz dos dinamarqueses", percorreu a Dinamarca no ano passado realizando protestos contra o Islã. Suas demonstrações quase sempre realçavam o "Abjeto Alcorão". Nas demonstrações, Paludan pegava um Alcorão, arremessava-o, queimava-o ou colocava bacon em cima dele. Em abril, Paludan foi condenado, porém com suspensão condicional da execução da pena de 14 dias de prisão por fazer declarações supostamente racistas sobre os africanos em um vídeo que ele disponibilizou na Internet. Paludan apelou da sentença.
"É importante continuar até que não haja mais muçulmanos ou outros neste país que acreditem que possam decidir qual é o limite da liberdade de expressão". Paludan, que se encontra sob proteção policial por ter recebido ameaças de morte, esclareceu em uma entrevista.
"Se as pessoas começarem a mudar suas declarações legais e democráticas porque alguém quer lhes fazer algum mal ou tentar assassiná-las, então a democracia já era. De modo que não estou errado, há uma ameaça contra a minha pessoa ... Há duas coisas na Dinamarca totalmente legais, mas que ninguém se atreve fazer: enxovalhar o Alcorão queimando-o, arremessá-lo, colocar bacon em cima dele e caricaturar o profeta Maomé. A razão é que o risco de ser atacado ou morto é extremamente alto. Nós não acreditamos que os agressores e assassinos devam decidir onde deveriam estar os limites da liberdade de expressão e, portanto, achamos importante fazer o que estamos fazendo".
A demonstração em Nørrebro em 14 de abril durou apenas 15 ou 20 minutos. Paludan e em especial a polícia que o estava protegendo foram atacados por muçulmanos locais e ativistas de extrema esquerda e Paludan teve que ser retirado do local sob escolta policial. Na sequência houve vandalismo no bairro por horas a fio, incluindo incêndio criminoso e ataque com pedras a policiais. O vandalismo se espalhou para outras regiões de Copenhague, com outros 20 incêndios criminosos e 23 prisões. Como resultado, a polícia proibiu Paludan de fazer demonstrações em Copenhague por uma semana.
"A liberdade de expressão está seriamente ameaçada quando se permite que a violência e o vandalismo impeçam as manifestações" ressaltou Jonas Christoffersen, diretor do Instituto Dinamarquês de Direitos Humanos. "É um problema o fato de Rasmus Paludan não poder ser autorizado a se expressar. O que vimos é extremamente grave em uma democracia que apresenta tais tumultos ", disse ele, aconselhando os cidadãos insatisfeitos a protestarem contra Paludan com contramanifestações pacíficas ou simplesmente ignorá-lo.
"Se continuar a tendência de determinados grupos de pessoas de impedirem outros de se expressarem por meio de violência e tumultos, isso poderá dissuadir os que desejam expressar suas opiniões. Poderá ter o efeito de fazer com que as pessoas em geral não falem ou tenham medo de falar por temerem as reações".
Parece que inúmeros políticos já traquejados estão jogando a culpa em Paludan por suas ações mais do que naqueles que atacaram violentamente a polícia e o próprio Paludan. Ainda que alguém ache que os atos de Paludan mexam com a susceptibilidade e ofendam os muçulmanos, seus atos são legais e protegidos pela lei dinamarquesa. O direito à liberdade de expressão protege a minoria da tirania da maioria. Discursos serenos e politicamente corretos não necessitam de proteção. O primeiro-ministro Lars Løkke Rasmussen tuitou o seguinte após os tumultos:
"Discordo veementemente das provocações sem sentido de Paludan que não têm outro propósito a não ser semear discórdia. Confrontem-no com argumentos, não com violência. Protejam a democracia e a liberdade de expressão. Não permitam que atos ofensivos dirigidos a determinados grupos específicos na DK (Dinamarca) arruínem nossa harmonia."
O ministro da justiça Søren Pape Poulsen tuitou:
"Um domingo triste. O circo de Paludan serve apenas para semear discórdia nas pessoas e provocar o outro lado com antidemocratas extremamente violentos que são tão doidos de pedra a ponto de atirarem pedras nos policiais. A violência nunca é a resposta! Use argumentos, ou melhor, ignore Paludan."
Salta aos olhos que nenhum ministro tenha mencionado de maneira inequívoca quem estava por trás da violência contra Paludan.
Conforme apontaram alguns comentaristas dinamarqueses, o princípio que está em jogo aqui não é Paludan e sim se a liberdade de expressão, independentemente do que ou quem insulta, pode ser garantida quando é confrontada com violência e vandalismo.
Parece que essa pergunta já foi respondida em 2006, quando das caricaturas dinamarqueses de Maomé com os violentos distúrbios que eclodiram no mundo muçulmano. Os distúrbios resultaram em ataques e até incêndios criminosos em embaixadas dinamarquesas em alguns países muçulmanos, como por exemplo na Síria. Os cartunistas dinamarqueses receberam ameaças de morte, um dos cartunistas foi vítima de tentativa de homicídio. Em vez de defender os cartunistas dinamarqueses, muitos optaram por contingenciar o valor da liberdade de expressão. Por exemplo, o Secretário do Exterior do Reino Unido Jack Straw, não poupou críticas em 2006 aos jornais europeus por republicarem as caricaturas:
"Há liberdade de expressão, todos nós respeitamos isso. Mas não há nenhum tipo de obrigação de insultar ou de ser gratuitamente incendiário. Acredito que a republicação das caricaturas foi desnecessária. Mexeu com a susceptibilidade. Foi desrespeitosa e está errada."
Na mesma linha, também em 2006, o Departamento de Estado dos EUA salientou:
"Essas charges são realmente ofensivas à fé dos muçulmanos. Todos nós reconhecemos e respeitamos plenamente a liberdade de imprensa e de expressão mas elas devem vir acompanhadas com a responsabilidade da imprensa. Incitar ódios religiosos ou étnicos dessa maneira não é aceitável".
A questão foi definitivamente respondida dez anos mais tarde, quando a revista satírica francesa Charlie Hebdo publicou caricaturas de Maomé e pagou com a vida de muitos de seu staff. Os editores da revista disseram posteriormente que não haverá mais caricaturas de Maomé.
É altamente improvável que Paludan consiga fazer o tempo voltar atrás na questão, ao incendiar livros do Alcorão e coisas do gênero para mudar a situação, conforme demonstra de forma categórica a necessidade de um enorme contingente de policiais necessários para proteger a sua segurança. Exatamente por isso, tanto na Dinamarca como de norte a sul, de leste a oeste da Europa, é urgente impedir que a liberdade de expressão continue erodindo.
Judith Bergman é colunista, advogada e analista política, também é Ilustre Colaboradora Sênior do Gatestone Institute.
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