4 de jun. de 2017

Atentado terrorista islâmico em Londres: negação e controle por parte do governo




Euronews, 04 de junho de 2017 



As autoridades britânicas apontam para a eventual responsabilidade de islamitas radicais nos atentados de sábado à noite no sul de Londres.

Pelo menos 12 suspeitos foram detidos esta manhã no bairro de Barking, nos arredores da capital, por alegadas ligações às ações que provocaram pelo menos 7 mortos e 48 feridos. Os três autores do ataque foram abatidos pela polícia depois de atropelarem vários transeuntes em London Bridge, antes de esfaquearem vários clientes dos bares e restaurantes da zona de Borough Market. Entre os feridos encontram-se pelo menos três polícias.



Entrevistada pela televisão britânica sobre a identidade dos atacantes, a ministra do Interior, Amber Rudd, afirmou:

Não posso avançar muito mais neste momento, mas como disse a primeira-ministra, acreditamos que se tratam de terroristas islamitas radicais, pela forma como ter-se-ão inspirado noutros ataques, mas precisamos de saber mais sobre a origem desta radicalização. Pensamos que é improvável que estivessem ligados ao atentado de Manchester, mas não podemos descartar nenhuma hipótese”.

Trata-se do terceiro atentado a atingir o Reino Unido desde março frente ao parlamento de Westminster. A polícia rejeitou, no entanto, voltar a elevar o alerta terrorista para o nível máximo, quando considera a situação “grave” mas não “crítica”.

Os atentados levaram os principais partidos britânicos a suspender, até ao final do dia, a campanha para as eleições legislativas de quinta-feira.

Controle – Os britânicos perderam o direito à privacidade?


Uma nova lei britânica dá luz verde às autoridades para acederem ao historial online de todos os cidadãos do Reino Unido. A luta contra o terrorismo é o argumento base de uma série de medidas que vinculam as operadoras de telecomunicações a guardarem os dados pessoais durante um ano. No meio de tudo isto, há jornalistas monitorizados por denunciarem excessos nas operações de vigilância. Onde fica o direito à privacidade?

“Posso ver o seu telemóvel?”, diz uma jovem mulher nas ruas de Londres. O interpelado responde simplesmente: “Não!”. Mas ela insiste com ele e outros transeuntes, explicando que só quer “saber detalhes: os seus mails, as mensagens, o histórico de chamadas, as fotos… Eu só quero ver o que as pessoas têm no telemóvel”. A uma rapariga boquiaberta, afirma mesmo: “Vou só conetar-me à sua conta bancária…”.


Esta situação insólita não pertence ao mundo real. Pelo menos, não nestes moldes. Trata-se de um vídeo realizado pela Liberty, uma organização britânica de defesa dos direitos civis. O humor é o ponto forte de uma campanha que aborda um tema que pouco tem feito sorrir. O parlamento britânico aprovou em novembro uma nova legislação que permite à polícia, aos serviços de informação e a mais de 40 organismos públicos acederem ao historial online de cada cidadão.



A Lei da Regulamentação dos Poderes de Investigação, lançada por Theresa May quando era ministra do Interior, foi apresentada como um instrumento essencial na luta contra o crime organizado e o terrorismo. Muitos denunciam o fim da privacidade.

Todas as nossas comunicações, os mails, as chamadas, as mensagens de telemóvel, toda a nossa atividade na internet passa a estar acessível, mesmo que não haja nenhum crime grave em causa. Nem sequer é necessário identificar o alvo de uma determinada vigilância. A polícia e os serviços de informação podem entrar em milhares de computadores sem terem de dizer de quem estão atrás. Mais: não têm de notificar as pessoas que foram vigiadas. Isso vai colocar em questão a vida privada de milhares de pessoas que serão alvo de vigilância: os seus telefones vão ser pirateados, as chamadas vão ser intercetadas e nunca ninguém irá ser informado de nada”, diz-nos Silkie Carlo, da Liberty.

“Este tipo de poderes é realmente útil”

Há quem chame a lei de “Snooper’s Charter”, no sentido em que se “dá carta branca à bisbilhotice”. As operadoras de telecomunicações, nomeadamente os fornecedores de internet, devem guardar o histórico de navegação de todos os internautas durante um ano.

O Tribunal Europeu de Justiça já veio declarar a ilegalidade da retenção indiscriminada de dados, o que pode dificultar a aplicação da nova lei enquanto o Brexit não estiver consumado.

David Anderson é um consultor independente que o governo britânico encarregou de avaliar até que ponto as novas medidas são realmente úteis. “Todos os poderes que a polícia e os serviços de informação pretendem utilizar neste país foram descritos muito claramente preto no branco. Isso é algo que não se verificava antes e que não acontece na maior parte dos países. Eu estudei em detalhe cerca de 60 casos específicos e cheguei à conclusão que este tipo de poderes é realmente útil, seja na ciberdefesa, por exemplo, contra potências hostis, situações que envolvam reféns, pessoas desaparecidas ou na investigação de crimes graves”, afirma.

Em maio de 2013, dois extremistas islâmicos mataram brutalmente o soldado Lee Rigby numa rua de Londres. Os dois homens já estavam identificados pelas autoridades britânicas. Havia comunicações de ambos nas quais detalhavam o que ia acontecer. Mas essa informação passou despercebida.

Edward Snowden divulgou vários relatórios confidenciais, sublinhando o seguinte: as agências de segurança não têm capacidade para tratar a gigantesca quantidade de dados que é recolhida.



Nem os serviços de informação, nem a Scotland Yard e o Ministério do Interior nos forneceram uma entrevista. O resultado foi o mesmo quando tentámos junto do tribunal encarregue de investigar os alegados abusos cometidos em operações de vigilância. Aliás, a morada deste órgão é mantida secreta. O que se sabe é que o número de queixas tem aumentado exponencialmente. Com a nova lei, os juízes arriscam-se a enfrentar um volume de trabalho muito maior.

“As fontes dos jornalistas deixam de estar protegidas”

Há vários anos que os termos da vigilância policial fazem parte da vida de Jason Parkinson. Aliás, o seu trabalho de jornalista em torno deste assunto valeu-lhe ser monitorizado e incluído numa lista de “extremistas internos” por parte das autoridades britânicas, juntamente com outros colegas. Os visados apresentaram queixa na justiça e afirmam que é toda uma profissão que está em risco.

Os serviços de informação deviam concentrar-se naquelas que são as verdadeiras ameaças aos cidadãos e ao país. É um caminho muito perigoso começar a espiar-nos só porque chamamos o governo às suas responsabilidades. Mais importante ainda: as fontes dos jornalistas deixam de estar protegidas e, por seu lado, vão deixar de expor situações problemáticas com medo de serem apanhadas”, considera Jason.

As operadoras de telecomunicações afirmam que a nova lei comporta custos gigantescos e que a sua implementação é tecnicamente muito complexa. E será que os resultados serão realmente eficazes? Adrian Kennar dirige um fornecedor de internet e relembra que há várias formas de contornar a monitorização, seja através da encriptação de dados ou de redes virtuais paralelas.

Segundo Adrian, “há um risco concreto que todo este dinheiro esteja a ser gasto para nada. Os criminosos podem contornar facilmente a vigilância. O cidadão comum vai aprender a fazê-lo também. O melhor que os fornecedores de internet como nós podem fazer é tentar informar os clientes do que está a acontecer. Podemos ensinar-lhes a enviarem mails encriptados. Neste aspeto, o governo colocou-se do lado da barricada onde estão os criminosos. Se andam a bisbilhotar o histórico pessoal, a intercetar as comunicações, as pessoas têm de se proteger, tal como fazem para se protegerem dos criminosos”.

Negação – Theresa May diz que “já basta”, mas apologiza o Islã


A primeira-ministra britânica rejeitou adiar a data das legislativas de quinta-feira depois dos novos atentados desta noite em Londres. Após uma reunião de emergência, esta manhã, Theresa May condenou os ataques com um “já chega”, apelando a um reforço da luta contra o extremismo no país, nomeadamente com penas mais pesadas para os suspeitos de terrorismo.

Ontem à noite o nosso país foi novamente vítima de um ataque terrorista brutal. Não podemos nem devemos fingir que as coisas podem continuar como estão. As coisas têm de mudar. Primeiro, embora os recentes ataques não estejam ligados por redes comuns, estão ligados num aspecto fundamental: estão ligados pela ideologia malévola do extremismo islâmico, que defende o ódio, semeia a divisão e promove o sectarismo. É uma ideologia que alega que os nossos princípios ocidentais de liberdade, democracia e direitos humanos são incompatíveis com a religião do Islã. 


É uma ideologia que é uma perversão do Islã, uma perversão da verdade. Derrotar esta ideologia é um dos grandes desafios de nossa era, mas não pode ser derrotada apenas por intervenção militar.
Não será derrotada pela continuação de uma operação antiterrorista defensiva e permanente, por mais hábeis que sejam os seus líderes e participantes. Só será derrotada quando afastarmos as mentes das pessoas desta violência e as fizermos compreender que os nossos princípios, os princípios britânicos pluralistas [multiculturalistas], são superiores a tudo que os pregadores e apoiantes do ódio possam oferecer. 



Os serviços secretos e os serviços de segurança neutralizaram cinco projetos credíveis de atentados desde o ataque de Westminster em Março. Ao nível do planeamento e execução, os novos ataques não estão ligados aos anteriores, mas acreditamos estar perante uma nova tendência na ameaça a que fazemos face, quando o terrorismo alimenta mais terrorismo e os atacantes parecem inspirar-se uns dos outros, com os meios mais cruéis possíveis, e não apenas com planos organizados ou ataques solitários”.

A antiga ministra do Interior rejeitou avançar mais dados sobre a investigação, ou pronunciar-se sobre o nível de alerta terrorista, afirmando apenas que a maioria dos 48 feridos encontram-se hospitalizados com ferimentos graves. A campanha para as legislativas encontra-se suspensa até ao final do dia.

O discurso completo de May:



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