Oleksii Makeiev na Embaixada da Ucrânia, no Restelo. O diretor político do MNE veio a Lisboa preparar a visita do chefe da diplomacia ucraniana Pavlo Klimkin, prevista para este ano |
DN, 15 de julho de 2016.
Por José Fialho Gouveia.
O cessar-fogo com a Rússia é frágil. O diretor político do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Oeksii Makeiev, não tem dúvidas de que a estratégia de Moscovo é criar instabilidade para afastar os ucranianos da UE e admite que a corrupção é uma das doenças do seu país
A Ucrânia celebra neste ano o 25.º aniversário da independência. Qual o maior feito destes anos?
Conseguimos libertar-nos do passado soviético. Hoje olhamos para o futuro como um país democrático. No coração da nossa democracia já não está o estado, mas sim o indivíduo. Primeiro com a Revolução Laranja, em 2004, e depois com Maidan, em 2014, as pessoas mostraram que o estado não é um rei todo poderoso. Quem dita as regras é o povo. Hoje, os ucranianos são mais euro-otimistas do que muitos membros da UE. Não me lembro de outro país que tenha perdido 130 vidas - nos protestos em Maidan - a lutar pelo sonho europeu.
Em março, Jean-Claude Juncker afirmou que seriam necessários 20 a 25 anos até que a Ucrânia pudesse aderir à União Europeia e à NATO. Este calendário é realista?
Se me perguntar se é possível já para o próximo ano digo-lhe que não, mas sou um bocadinho mais otimista do que o senhor Juncker. De qualquer forma, o mais importante é que as pessoas mostraram que querem o processo de adesão. Agora temos de fazer o trabalho de casa.
O Reino Unido é um dos países europeus com uma atitude mais musculada em relação a Moscovo. Nesse sentido, o brexit é uma má notícia para a Ucrânia?
A posição da União Europeia não depende apenas de um país. Esse é um trabalho feito a 28.
Acredita que a atitude da UE não irá mudar com o brexit?
A atitude da UE em relação a Moscovo depende mais de Moscovo do que de Londres. Não me lembro de qualquer capital europeia que tenha questionado a verdade dos factos. Ninguém põe em causa que a ocupação da Crimeia foi ilegal. E ninguém duvida de que a Rússia é responsável pelo que se passa agora em Donbass.
Na semana passada, a NATO voltou a culpar Moscovo pela agressão. Antes da cimeira, John Kerry, o secretário de estado dos EUA, visitou Kiev e disse que o acordo de paz está "condenado a falhar" a menos que a segurança seja efetivamente restaurada.
A visão dos nossos parceiros sobre como implementar os acordos de Minsk coincide com a nossa. Fiz parte da equipa que negociou o acordo. Tudo tem de partir de um cessar-fogo efetivo e de uma retirada das tropas. Só depois será possível passar para a fase das eleições e só depois de a população ter escolhido os seus representantes é que fará sentido avançar para as negociações em matéria de descentralização e de revisão constitucional. Não é possível negociar no meio de tiros e, para que as eleições sejam livres, não pode haver tanques ao lado das estações de voto. Atualmente, os russos, numa parcela de Donbass que representa apenas 4% do território da Ucrânia, têm 40 mil indivíduos armados e 475 tanques. Quando capturámos alguns oficiais, a Rússia justificou-se dizendo que eles estavam de férias. E as armas? De onde vêm? Talvez de Marte.
Antes da cimeira da Nato, Putin terá falado com Obama e dito que queria ver progressos nos acordos de paz. Acredita nele?
A Rússia perdeu a credibilidade internacional quando invadiu a Ucrânia, ou até antes, com a Geórgia e com a Transnístria. Eles gostariam de restaurar o império. O presidente Putin já disse isso mesmo, quando afirmou que o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe do século XX. A estratégia russa passa por criar zonas de instabilidade para manter os países na sua esfera de influência. Querem criar instabilidade na Ucrânia para que não seja possível a nossa aproximação à Europa.
A NATO anunciou o destacamento de quatro batalhões para os países do Báltico. Estaremos a viver numa espécie de pré-segunda Guerra Fria?
Em fevereiro, na conferência de segurança, em Munique, Putin disse que estamos numa guerra fria. Ninguém quer uma guerra fria, mas também ninguém quer intrusões russas em territórios soberanos. Convém não esquecer que ao longo da fronteira com a Rússia há outros batalhões, que são os ucranianos. Esses batalhões estão a defender não apenas o território ucraniano, mas também a fronteira mais a leste da civilização europeia. Pode parecer longe visto de Lisboa, mas não é assim tão longe a partir de Talin.
A corrupção é a principal doença da Ucrânia?
É uma das principais. Mas a luta contra a corrupção já começou há meses. Já são muitos os presos por suspeitas de corrupção e subornos. Esses esforços têm sido elogiados pela UE. O combate à corrupção está a restaurar a fé no sistema de justiça e a mudar as mentalidades.
Alguns analistas dizem que o presidente Poroshenko é parte do problema e não da solução porque ele próprio é um oligarca. Como comenta?
Poroshenko prometeu que iria combater a corrupção e o sistema oligárquico e está a cumprir o. Estamos a evoluir de um sistema em que os partidos são construídos em redor de uma figura para um sistema em que os partidos têm uma ideologia bem definida. A política e os negócios estão cada vez mais separados. Talvez as mudanças não sejam tão rápidas como gostaríamos, mas estamos a fazer muitos avanços.
É a sua primeira vez em Portugal?
Sim e acho que não poderia ter escolhido melhor altura. Nas reuniões, o primeiro ponto na ordem de trabalhos vai ser futebol. Só depois disso é que começaremos a preparar a visita do meu ministério, que acontecerá mais tarde neste ano. A terceira maior comunidade estrangeira em Portugal é a ucraniana. O facto de os meus compatriotas estarem bem integrados é um dos melhores exemplos para as nossas perspetivas futuras de integração europeia.
Falando de futebol, como vê o facto de a Rússia receber o campeonato do mundo em 2018?
Confesso que não consigo imaginar que um país que ameaça os seus mais diretos vizinhos e que invadiu a Ucrânia tenha o privilégio de convidar o mundo inteiro.
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