9 de mai. de 2016

"União Europeia continua a ser uma bicicleta, mas sem ar nos pneus"




DN, 08 de maio de 2016.



Por João Francisco Guerreiro


No Dia da Europa, Martin Schulz fala dos vários desafios que a UE enfrenta hoje: crise dos refugiados, recuperação económica fraca nos 28, controlos fronteiriços no espaço Schengen, terrorismo, referendo sobre o brexit ou o sempre preocupante problema da dívida da Grécia

66 anos depois da Declaração de Schuman [que lançou as bases do que é hoje a UE], ainda faz sentido afirmar que a UE é um espaço de paz, segurança e de desenvolvimento económico?


Creio que sim. A União Europeia atravessa um género de policrise. O euro é forte, mas o sistema monetário não é estável. O problema dos refugiados pode ser facilmente gerido, distribuindo um milhão de pessoas pelos 500 milhões dos 28 Estados membros. Se mais de 20 não participarem, criam um problema, fabricado aqui. Somos a região mais rica do mundo, mas a distribuição da riqueza não é justa nem equitativa. Mas podemos identificar e resolver problemas e chegar à solução certa. A UE continua a ser capaz de cumprir promessas, se assim o quisermos. O problema não é a UE, mas os Estados membros. Uma parte deles decidiram colocar os interesses nacionais em primeiro lugar. Noutros tempos, as gerações de políticos entenderam melhor que uma Europa forte é a melhor proteção para os Estados nacionais.


Faltam bons líderes capazes de fazer essa leitura. Há falta de liderança da UE?

É difícil, para mim, enquanto presidente de uma instituição europeia falar sobre falta de liderança. Nas instituições, os meus colegas [Jean-Claude] Juncker e [Donald] Tusk e eu próprio, tentamos liderar a UE. A falta de liderança na União resulta de hoje haver primeiros-ministros que vêm a Bruxelas dizer "eu tenho de defender o melhor interesse do meu país". Presumem que o interesse de um país é atacado em Bruxelas e por isso tem de ser defendido. Dito isto, todos os primeiros-ministros portugueses, especialmente o que está em funções, são muito fortes e convictos na defesa de um aprofundamento da integração europeia.

Então, não se trata de falta de liderança, mas de unidade...

O espírito desta comunidade de que juntos somos mais fortes está a perder-se cada vez mais. E esse é um dos problemas .


Evoca um certo distanciamento das pessoas e de alguns líderes em relação ao projeto europeu. O que diz o líder de uma instituição como o Parlamento Europeu aos mais de 21 milhões de pessoas desempregadas para que continuem a acreditar na Europa?

Precisamos de ir numa direção diferente na nossa economia. E o combate ao desemprego juvenil, em especial, é um dos elementos--chave daquilo que estou a fazer. Também o meu colega Juncker. Fazemos imenso. Imponho-me contra todos esses primeiros-ministros, mas todos põem inúmeros problemas em anteciparem os gastos [contra o desemprego]. Temos o desemprego agora, temos de gastar as verbas agora. A UE é a acusada. Mas a decisão é dos líderes nacionais. Em caso de fracasso, culpam a UE. O emprego sobe, dizem que foi o governo.

A UE é associada à pressão sobre os governos no que toca ao rigor orçamental. Continua a haver margem para seguir esse padrão?

Não sou um defensor de medidas de austeridade. Essa escola de economia que nos diz que temos apenas de cortar nos orçamentos públicos - e nós a cortar, cortar, mas os investidores não chegam - é uma política errada. Precisamos de investimento estratégico em crescimento, especialmente na educação dos jovens. Nunca se conseguirá sanar as contas públicas através de cortes. Também é preciso aumentar receitas. Aqui, a UE pode responder imediatamente com mais de mil biliões de euros por ano que estão nos paraísos fiscais, por fraudes e fuga ao fisco. Imagine, tínhamos apenas 10% e seriam cem mil milhões a mais. Significaria para o meu país, a Alemanha, 27 mil milhões a mais. Portugal, eu nem sei, uns seis ou sete mil milhões a mais no orçamento anual.

Como é que a Europa deve [reagir em relação a isso]?

Deve combater a fuga ao fisco. Assim será mais fácil resolver os problemas. Aqueles que têm mais dinheiro e que o podem pôr em paraísos fiscais devem contribuir para a gestão dos custos do bem-estar público.

O Eurogrupo volta hoje a reunir-se por causa da Grécia, pressionada pela falta de liquidez. Deve insistir nas exigências ou mostrar compreensão e flexibilidade perante um país que enfrenta duas das maiores crises na UE?

A minha resposta é sim. A Grécia está a enfrentar a crise mais profunda da sua história, ao mesmo tempo que enfrenta um grande desafio em matéria de refugiados. Que devemos ajudar a Grécia é claro como água. As medidas estão a funcionar. Não devemos pedir mais medidas aos gregos. Devemos dar-lhe o tempo necessário, até 2018. Nessa altura, eles deverão conseguir um superavit primário de 3,5%. Do meu ponto de vista, eles estão no bom caminho. E a UE deve apoiar isso. Tenho a certeza de que haverá um compromisso entre o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão [Europeia], o Eurogrupo e a Grécia.

Neste mês a Comissão Europeia vai apresentar o pacote de recomendações específicas aos Estados membros. Para aqueles países que se encontram sob a vertente corretiva do Programa de Estabilidade e Crescimento, [como é o caso de Portugal], pensa que a Comissão Europeia deve limitar-se a seguir estritamente as regras ou ser flexível com esses países?

Penso que a Comissão Juncker já mostrou mais flexibilidade no passado. Obviamente podemos continuar a pedir cortes para a redução do défice. Mas o que devemos ter em conta é se esses cortes não são contraproducentes. O que me parece é que a Comissão procurará um equilíbrio entre a disciplina orçamental, que é inevitável e obrigatória, baseada no tratado. Mas os governos precisam de margem de manobra para a estabilidade pública e para o investimento.

Esse caminho não representa risco de os governos enviarem uma mensagem errada aos mercados e voltarem aos problemas de financiamento?

Até hoje ainda não tenho conhecimento suficiente do que são os mercados. Sei que muitos desses participantes no que se chama mercados, no caso de risco e perdas, são salvos pelos países e pelos contribuintes, quando é esse poder anónimo que, quando há melhorias, decide sobre as despesas públicas. Os investidores reagem se não tiverem confiança. Para recuperar a confiança precisamos de uma gestão sustentável dos orçamentos. Na situação de 0% de juros, em que nos encontramos, é seguramente uma vantagem dada pelo Banco Central Europeu (BCE) para os governos gerirem melhor a dívida soberana e o défice anual. A minha recomendação é para que usem tanto quanto possível essa vantagem.

Como presidente do Parlamento Europeu, tem vindo a criticar o populismo e a xenofobia crescente na Europa por causa da crise de migrantes e refugiados. Como avalia a resposta europeia à gestão dessa crise?

O que me irrita verdadeiramente é que alguns países que não estão a participar [na redistribuição de refugiados] e que contribuíram para criar esta crise, vêm depois criticar a UE por não ser eficaz na gestão da crise dos refugiados. Isto é mesmo cínico.

A proposta da Comissão para que se penalize com multas os países que rejeitem refugiados parece-lhe adequada?

[A gestão da crise do refugiados] custa muito dinheiro. E os países que não participam nessa solidariedade de que precisamos na Europa devem pelo menos contribuir financeiramente, como uma forma de alívio para os países que gerem a crise.

Os europeus receiam hoje o terrorismo, que é tido como uma das maiores ameaças a um dos mais emblemáticos exemplos da integração europeia, que são os acordos de Schengen. Como antevê o futuro do espaço de livre circulação tendo em conta estas pressões atuais?

Precisamos de controlos eficazes e profissionais nas fronteiras externas. Assim, não teremos problemas nas fronteiras internas. Precisamos de mais honestidade. As fronteiras internas foram abolidas por razões económicas e não apenas pela livre circulação de pessoas. O encerramento de fronteiras internas significa o bloqueio de um dos mais importantes elementos do nosso sucesso económico, que é a livre circulação no mercado único. As pessoas devem ser razoáveis. Os terroristas que circulam dentro do espaço Schengen não vão ser apanhados por se encerrarem fronteiras, mas sim através da troca automática de informações entre polícias e serviços secretos. É disso que precisamos. E ao escutarmos debates entre ministros da Administração Interna, que dizem que o encerramento de fronteiras nos põe a salvo, verificamos que são os mesmos ministros que recusam a partilha automática de informações dos seus serviços secretos. Isto é ridículo.

A permanência ou não do Reino Unido na UE vai a referendo no dia 23 de junho. Acredita que os britânicos vão acabar por ficar?

Conheço os britânicos como uma nação pragmática. Escolher entre os riscos previsíveis da saída ou escolher ficar na UE, o meu sentimento é de que a maioria vai votar para ficar. A UE é mais forte com o Reino Unido. E para os que sonham com a saída gostaria de lembrar: são tão fortes e são a segunda maior economia porque têm acesso ao mercado único da UE. Seria um grande dano para a economia deles.

Vários decisores políticos e analistas comparam a integração europeia a uma bicicleta que tem de continuar a andar para evitar cair. Existe também a perceção de que a UE enfrenta um abrandamento no ritmo da integração. Concorda ou pensa que a bicicleta continuará a avançar para uma União mais forte?

Continuamos a ser uma bicicleta, mas sem ar nos pneus. Temos inúmeros problemas para resolver. Continuamos a pedalar. Mas os nossos instrumentos não estão na melhor forma.

Apesar de tudo, será possível aprofundar a integração na UE?

Pela primeira vez na história da Europa não é certo que a UE saia destas crises mais forte. Pode acontecer que fiquemos ainda mais fracos. Os que querem destruir a UE estão a ganhar eleições. Ainda não têm a maioria. A maioria ainda são os que acreditam na cooperação transnacional como o melhor para a Europa. Mas essa maioria é silenciosa. E a minoria hostil muito ruidosa. Venceremos se a maioria silenciosa puder ser novamente mobilizada para lutar pelos ideais [europeus].

Em Bruxelas.

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