RTN, 05/08/2025
Por Cindy Harper
Uma ferramenta criada para bloquear transmissões de futebol agora detém as chaves do portão digital da Itália.
A Itália transformou seu programa experimental Piracy Shield em um mecanismo permanente de fiscalização online, ampliando sua autoridade muito além das transmissões esportivas que originalmente visava combater.
As novas regras, aprovadas pela Agência Reguladora de Comunicações (Agcom) e em vigor desde 1º de agosto, permitem que a plataforma bloqueie o acesso a filmes, séries de TV, apresentações musicais e outros eventos ao vivo. As remoções automatizadas agora podem ocorrer em até 30 minutos após uma denúncia ser registrada.
O que começou como uma ferramenta com foco restrito no combate à pirataria esportiva transformou-se em um sistema de bloqueio multissetorial, moldado pelo lobby da indústria do entretenimento.
Durante uma reunião em dezembro de 2024, a federação audiovisual Fapav pressionou pela inclusão de estreias cinematográficas e séries de televisão, alegando prejuízos financeiros significativos causados pela pirataria.
A Agcom respondeu concedendo ao Piracy Shield a capacidade de mirar praticamente qualquer tipo de mídia protegida por direitos autorais em tempo real.
Tecnicamente, a plataforma funciona interferindo na tradução de nomes de domínio (DNS) para endereços IP e bloqueando diretamente os próprios IPs.
Essa abordagem radical já provocou interrupções consideráveis em serviços legais. Em incidentes anteriores, partes da rede da Cloudflare ficaram inacessíveis, e usuários italianos chegaram a perder temporariamente o acesso ao YouTube e ao Google Drive.
Esses casos reforçaram os alertas de críticos, que apontam que o Piracy Shield carece de salvaguardas contra bloqueios excessivos.
As mudanças nas regras em agosto também ampliam o alcance da aplicação. Provedores de VPNs, ferramentas públicas de DNS e motores de busca agora podem ser responsabilizados por permitir o acesso a conteúdos sinalizados, mesmo que de forma indireta. O objetivo declarado é dificultar que usuários driblem as restrições usando ferramentas de privacidade ou métodos alternativos de conexão.
Ao mesmo tempo, parlamentares dos partidos Fratelli d’Italia e Lega estão impulsionando uma legislação que triplicaria as multas para indivíduos flagrados assistindo ou baixando conteúdo pirateado, com penas que podem chegar a €16 mil (cerca de US$18.500). Isso pode transformar usuários casuais em criminosos da noite para o dia.
A atenção da União Europeia
Os reguladores europeus estão atentos. Em junho de 2025, a Comissão Europeia enviou uma carta formal ao Ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani, questionando se o sistema está em conformidade com a Lei de Serviços Digitais (DSA) da União Europeia.
Embora a Itália alegue que suas regras atualizadas de direitos autorais — originalmente escritas em 2013 e recentemente reformuladas por meio do decreto Omnibus — estejam alinhadas com a legislação da UE, Bruxelas alerta que princípios fundamentais como transparência, proporcionalidade e proteção do usuário podem estar sendo violados. O DSA não concede às autoridades nacionais o direito irrestrito de impor bloqueios sem um mandado legal claro da UE.
A preocupação da Comissão não se limita à interpretação jurídica. A capacidade do Piracy Shield de remover material da internet em questão de minutos, levanta a possibilidade de um sistema de fiscalização, que suprime a liberdade de expressão sem o devido processo legal.
No dia 21 de maio de 2025, a Associação de Indústria de Computação e Comunicações (CCIA) — que representa empresas como Apple, Google e outras gigantes da tecnologia — entrou com uma queixa formal acusando a Itália de possivelmente violar tanto o DSA quanto os princípios da neutralidade de rede.
A desconfiança também é alimentada pelo fato de que o Piracy Shield foi desenvolvido pela empresa SP Tech, que é controlada pelo Studio Legale Previti em nome da liga italiana de futebol Serie A.
Como a liga lucra diretamente com os direitos que o sistema foi criado para proteger, surgem preocupações sobre um conflito de interesses embutido, que poderia comprometer a imparcialidade da fiscalização.
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Fonte:https://reclaimthenet.org/italy-piracy-shield-expanded-permanent-online-blocking-powers

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