ZMSC, 21/10/2024
Por Tibi Puiu
A incapacidade do cérebro de reconhecer sua própria fala pode explicar as vozes fantasmas da esquizofrenia.
Para aqueles que vivem com esquizofrenia, o som de vozes — vozes que ninguém mais pode ouvir — pode ser uma parte avassaladora e persistente da vida diária. Mas o mistério de por que essas alucinações acontecem tem perplexado os cientistas por décadas. Agora, os pesquisadores acreditam que podem estar mais perto de resolver esse enigma.
Um novo estudo sugere que a causa dessas vozes fantasmas reside na incapacidade do cérebro de reconhecer seus próprios sinais de fala. As descobertas podem abrir a porta para tratamentos que vão além dos medicamentos, oferecendo novas esperanças para os milhões de pessoas que lutam contra a esquizofrenia em todo o mundo.
Os cientistas estão finalmente começando a entender os mecanismos cerebrais específicos que causam alucinações auditivas. E isso pode mudar a forma como pensamos sobre o transtorno e como o tratamos.
Quando o Cérebro Não Consegue Ouvir a Si Mesmo.
Pessoas com esquizofrenia frequentemente relatam ouvir vozes que parecem vir de algum lugar fora delas mesmas. Essas alucinações auditivas afetam até 80% dos pacientes e são uma das marcas registradas da doença. Mas o que está acontecendo no cérebro para criar essa experiência?
A resposta pode estar na forma como o cérebro processa seus próprios sinais de fala. Normalmente, quando nos preparamos para falar, nosso cérebro gera uma cópia dos comandos motores que usamos para mover nossas bocas e línguas. Essa cópia, conhecida como “descarga corolar”, é enviada ao sistema auditivo para avisá-lo de que os sons que estamos prestes a fazer vêm de nós — e não do mundo exterior.
No entanto, em pessoas com esquizofrenia, esse sistema parece não funcionar corretamente. Usando monitores de EEG, a equipe de pesquisa rastreou a atividade cerebral em três grupos de pessoas: aquelas com esquizofrenia que experimentam alucinações auditivas, aquelas com esquizofrenia que não experimentam, e um grupo controle de indivíduos saudáveis. Os resultados foram reveladores.
Ambos os grupos de pacientes com esquizofrenia mostraram uma interrupção na capacidade do cérebro de prever o som de suas próprias vozes antes de falar. Mas para aqueles que ouviam vozes, algo mais estava acontecendo: uma cópia eferente hiperativa — o sinal que diz ao corpo para vocalizar. Esse sinal hiperativo, sugerem os pesquisadores, inunda o sistema auditivo, criando uma confusão caótica de sons internos que o cérebro não consegue filtrar adequadamente.
“Pessoas que sofrem de alucinações auditivas podem ‘ouvir’ sons sem estímulos externos”, explicou a equipe de neurocientistas liderada por Fuyin Yang da Universidade Jiao Tong de Xangai, que é coautora do estudo. “Conexões funcionais prejudicadas entre os sistemas motor e auditivo no cérebro mediariam a perda da capacidade de distinguir fantasia da realidade.”
Em resumo, o cérebro de alguém que está vivenciando alucinações é sobrecarregado pelo seu próprio ruído.
Vozes de Dentro
Pode parecer abstrato, mas os mecanismos por trás dessas alucinações são algo que todos nós experimentamos em uma escala muito menor. Pense em fazer cócegas. Não importa o quanto você tente, não consegue fazer cócegas em si mesmo. Isso acontece porque seu cérebro prevê a sensação e diminui sua resposta.
Para pessoas com esquizofrenia, no entanto, essa supressão interna se rompe. Sem a capacidade de filtrar seus próprios sinais de fala, seus cérebros tratam seus pensamentos internos como se fossem sons externos — levando à sensação de ouvir vozes.
A pesquisa se baseia em décadas de trabalho tentando explicar por que os pacientes com esquizofrenia experimentam distorções tão profundas da realidade. Estudos anteriores apontaram para interrupções nos sistemas motores do cérebro, sugerindo que sinais mal disparados podem estar na raiz das alucinações auditivas. Mas este novo estudo vai um passo além, identificando os sinais específicos que falham.
Essas percepções podem ser um divisor de águas para o tratamento da esquizofrenia, pois adicionam um nível de nuance à condição que não estava disponível antes.
“Você não pode tratar o que não entende”, disse Tom Whitford, professor de psicologia na Universidade de New South Wales, na Austrália, que não esteve envolvido na pesquisa, à STAT. “É muito importante saber exatamente qual aspecto desse mecanismo não é normal em pessoas com esquizofrenia”, acrescentou.
Um Futuro Sem Medicamentos?
Atualmente, a esquizofrenia é tratada principalmente com medicamentos antipsicóticos, que podem ter efeitos colaterais graves e não funcionam para todos. Muitos pacientes são resistentes aos tratamentos com medicamentos, deixando-os com poucas opções para gerenciar seus sintomas.
Mas se os sinais defeituosos do cérebro são os culpados pelas alucinações auditivas, pode haver outras maneiras de abordar o problema. Xing Tian e seus colegas acreditam que tratamentos não invasivos, como a estimulação magnética transcraniana (usando uma bobina magnética para influenciar a atividade elétrica natural do cérebro), poderiam ajudar a regular a atividade cerebral e potencialmente silenciar as vozes em pacientes que não respondem a medicamentos.
“Alguns pacientes são realmente resistentes a medicamentos — talvez isso aconteça porque é difícil modular a rede funcional [com eles]”, disse Xing Tian, autor principal do estudo e professor associado de Ciências Neurais e Cognitivas na NYU Shanghai. “Se nossa teoria estiver certa, então usar uma técnica de neuromodulação não invasiva pode aliviar as alucinações.”
Esta pesquisa chega em um momento crucial para o tratamento da esquizofrenia. Nos últimos meses, a FDA aprovou um novo medicamento que pode mudar a forma como o transtorno é tratado, marcando o primeiro grande avanço em décadas. Juntamente com essas novas percepções sobre o papel do cérebro nas alucinações, o futuro para o tratamento da esquizofrenia pode ser mais promissor do que tem sido em anos.
Para os quase 4 milhões de pessoas vivendo com esquizofrenia apenas nos Estados Unidos, esse futuro não pode chegar cedo o suficiente. À medida que os pesquisadores continuam a desvendar as camadas secretas do cérebro, a esperança é que um dia essas vozes finalmente se calem.
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Fonte:https://www.zmescience.com/medicine/schizophrenia-why-patients-hear-voices/
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