Patricia Neves (à esquerda) e Ana Paula Ano Bom |
Essas são as melhores cientistas brasileiras que estão desenvolvendo uma vacina de mRNA como um presente para o mundo
GPB, 13/07/2022
Por Nurith Aizenman
RIO DE JANEIRO – Nos últimos dois anos, as cientistas brasileiras Patricia Neves e Ana Paula Ana Bom trabalham em um escritório grande o suficiente para acomodar suas duas mesas juntas.
No início, elas se preocuparam em não conseguir fazer muita coisa... porque elas se divertiriam demais!
"Ela é minha melhor amiga!" diz Ana Bom, começando a rir.
"Sim!" diz Neves, rindo também agora. Desde que as duas se conheceram na faculdade, há mais de 20 anos, diz ela, elas são inseparáveis: "Fazer compras juntos, almoçar" e, acima de tudo, apenas conversar. "Toda a tarde - sobre qualquer coisa - maridos, filhos, família."
Mas também, sobre a ciência. E é em grande parte por causa dessa amizade que as duas mulheres conseguiram lançar uma parceria notável que poderia finalmente tornar as vacinas de mRNA facilmente disponíveis para países de baixa e média renda em todo o mundo.
As injeções de mRNA altamente eficazes contra o COVID são as vacinas mais avançadas contra a doença. Mas até agora as empresas privadas Pfizer e Moderna são as únicas que conseguiram fazê-los. E ambas as empresas se recusaram a compartilhar suas patentes e seu know-how de fabricação. Agora Neves e Ana Bom estão determinadas a acabar com essa angustia.
Vão bora!
A história de como Neves e Ana Bom chegaram a esse desafio começa com seus caminhos divergentes depois de se formar na faculdade.
Neves tornou-se imunologista e logo se juntou à principal agência brasileira de pesquisa e desenvolvimento de vacinas, a Fundação BioManguinhos Fiocruz. Pouco antes da pandemia, ela tentou criar um tratamento semelhante a uma vacina para o câncer de mama que usaria a tecnologia de mRNA.
Então, em outubro de 2020, os primeiros resultados sugeriram que as vacinas de mRNA que a Moderna e a Pfizer estavam desenvolvendo contra o COVID provavelmente funcionariam. Isso deu a Neves uma ideia: e se o tipo de mRNA com o qual sua equipe estava trabalhando para o projeto de câncer de mama também pudesse ser usado em uma vacina contra a COVID?
"Comecei a dizer: 'Vamos fazer uma vacina contra o COVID! Vamos fazer uma vacina contra o COVID!'", lembra Neves. "'Precisamos provar que nosso mRNA funciona.' "
Mas para obter o mRNA no corpo humano, você precisa encapsulá-lo em uma minúscula partícula de gordura usando métodos complexos que apenas alguns cientistas no mundo descobriram.
Neves tinha uma solução: ligar para sua melhor amiga Ana Bom.
Após a faculdade, Ana Bom passou a ser bioquímica, e também ingressou na BioManguinhos Fiocruz.
"Acho Ana Paula brilhante", diz Neves.
Na verdade, Neves já havia contratado Ana Bom para descobrir uma maneira de fazer o encapsulamento de mRNA para o projeto de câncer de mama.
Quando Neves propôs pivotar para uma vacina contra o COVID, Ana Bom diz que imediatamente respondeu com um ditado clássico no Rio de Janeiro: "Bora! Vam bora!"
Significa, 'Vamos!'
"Sim", diz Ana Bom, rindo. "Vamos lá!"
Porque acontece que, possivelmente, a qualidade mais importante que essas duas amigas compartilham é a vontade de atingir metas que até mesmo muitos cientistas em seu próprio instituto consideram absurdas.
"Sim", diz Ana Bom, "somos inovadoras e - não sei - talvez loucas."
Um novo nível de loucura
Começar a inventar sua própria vacina de mRNA contra o COVID foi, sem dúvida, um nível totalmente novo de loucura. Moderna e Pfizer não tiveram apenas uma grande vantagem. São empresas privadas americanas e europeias com centenas de milhões de dólares em financiamento. Até agora Neves e Ana Bom gastaram cerca de US$ 1 milhão de dólares. Todo o seu orçamento é de cerca de US$ 15 milhões. BioManguinhos Fiocruz é uma entidade pública no Brasil.
Mas Neves diz que a natureza do instituto também traz uma vantagem. "Não tem fins lucrativos. Não estamos interessados em dinheiro. Estamos interessados em abrir essa tecnologia. Fornecer vacinas a quem mais precisa delas – esse é o principal motivador para nós."
Portanto, se a equipe conseguir fazer essa nova vacina de mRNA, elas se comprometeram a fazer algo que a Moderna e a Pfizer até agora recusaram: compartilhar a patente e o processo de fabricação com fabricantes de vacinas em todo o mundo. Elas querem que essa vacina contra o coronavírus – assim como quaisquer vacinas futuras para outras doenças usando sua tecnologia de mRNA – seja disponibilizada o mais rápido e amplamente possível para países de baixa e média renda.
Esses países estão normalmente na retaguarda quando se trata de obter vacinas de ponta. Neves diz que a distribuição desigual de vacinas durante a pandemia a irritou – e reforçou seu compromisso de mudar as coisas.
"Ver pessoas morrendo por causa de doenças que já têm vacinas", diz ela. "Não é aceitável!"
Um bônus extra!
Seu foco particular também significa que Neves e Ana Bom fizeram questão de usar uma abordagem que é adequada para países com recursos limitados.
Para explicar, Neves me leva a um de seus laboratórios, onde um membro da equipe, Rafaele Loureiro, está usando uma pipeta para colocar ingredientes líquidos em um minúsculo tubo de ensaio – incluindo o material genético de algumas proteínas encontradas no coronavírus.
"Vamos colocar dois microlitros", diz Loureiro, girando o dial da pipeta. "É realmente como mágica", acrescenta ela, um toque de admiração em sua voz.
Neves diz que o processo cria mRNA que funciona de maneira muito semelhante às vacinas Moderna e Pfizer... mas com uma característica extra: esse mRNA é o que se chama de "autoamplificador".
"Você tem algumas mensagens dentro do mRNA que fazem esse RNA se replicar", diz Neves. Em outras palavras, você só precisa colocar um pouquinho no corpo, e o corpo se encarrega de fazer o resto.
Isso é uma benção para os países de baixa e média renda, diz Neves, porque significa que menos matéria-prima é necessária. "É mais barato produzir."
Pegando velocidade
A próxima parada da turnê é o laboratório onde Ana Bom já desenvolveu vários métodos para entregar o mRNA para sua vacina contra o COVID no corpo. Ela agora está comparando-os com outro método que ela efetivamente comprou de uma empresa privada com sede nos Estados Unidos.
Mas os obstáculos que Ana Bom está enfrentando também estão expostos em uma estação de trabalho onde outra integrante da equipe, Danielle Cunha, está usando uma seringa para empurrar o líquido por uma minúscula peneira de metal. Ela faz isso à mão - uma e outra vez.
Cunha faz uma pequena careta e observa: "na verdade, existe uma máquina para fazer isso".
Quanto tempo levaria nessa tarefa? "Sério! Você quer saber! Cunha responde, com uma risada irônica. "Acho que dois minutos."
Embora Ana Bom tenha comprado a máquina de um fornecedor americano há quatro meses, ela ainda está esperando que ela chegue ao seu laboratório. Ana Bom dá um suspiro exasperado. "Acho que a burocracia é o motivo!" ela diz. As agências reguladoras do Brasil não estão realmente preparadas para aprovar importações de equipamentos e suprimentos para a invenção rápida de vacinas. Ao todo, Ana Bom estima que os atrasos resultantes na obtenção de diversos equipamentos e materiais os atrasaram pelo menos dez meses.
Ainda assim, Neves diz que a equipe teve um grande impulso em setembro passado, quando a Organização Mundial da Saúde e vários outros parceiros fizeram do projeto mRNA do Brasil uma peça central de uma nova iniciativa global. O objetivo é descobrir como fazer vacinas de mRNA e, em seguida, criar hubs para ensinar esse conhecimento.
“Quando a OMS dá aquele sinal de que você é muito bom – o selo de aprovação – leva o projeto para outro patamar dentro da nossa instituição”, diz Neves. Também lhes dá acesso ao suporte técnico da OMS e de outros parceiros, incluindo a PATH, uma organização sem fins lucrativos que fornece conhecimentos sobre os principais aspectos do desenvolvimento de vacinas.
E assim, apesar de todos os atrasos, a equipe brasileira está a caminho de iniciar a fase um dos ensaios clínicos este ano. E eles pretendem ter a vacina pronta para lançamento e fabricação em escala dentro de cerca de um ano e meio.
O esforço de Neves e Ana Bom não é inteiramente único. Vários pesquisadores em outros países também estão tentando desenvolver vacinas de mRNA contra o COVID – incluindo uma equipe na África do Sul que está tentando copiar essencialmente a versão da Moderna e tornar a receita completamente pública. Há também pelo menos uma empresa privada – com sede nos Estados Unidos – que está trabalhando em uma vacina usando mRNA autoamplificador.
Ainda assim, se Neves e Ana Bom tiverem sucesso, a delas provavelmente será a primeira nova vacina de mRNA totalmente original que deve ser compartilhada com o mundo.
De volta ao escritório conjunto, as pressões de sua linha do tempo são palpáveis quando Neves inicia uma videoconferência com especialistas em controle de qualidade. "Estamos tentando ver se podemos ir rápido com o estudo", explica Neves.
Ana Bom está ocupada digitando em seu computador empenhada em outra tarefa urgente: "Uma apresentação para amanhã", diz ela. "Sim", responde Patricia, "e eu deveria estar preparando uma também!"
Neves e Ana Bom gostam de brincar que quando ficou claro que esse projeto estava se tornando algo grande, seus maridos se emocionaram. "Eles começaram a dizer: 'Ah! Agora você vai receber dinheiro - mais dinheiro'", lembra Neves. Até que os pesquisadores tiveram que dizer aos maridos: "'Não, não, não estamos recebendo mais dinheiro por isso. Estamos apenas recebendo mais trabalho!' "
As duas amigas caíram na gargalhada novamente. "Sim, só mais trabalho!" diz Ana Bom.
Mas sua expressão fica séria quando ela rapidamente acrescenta que elas não aceitariam de outra maneira. "Nossa motivação", diz ela, "é nosso senso de justiça".
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