Gatestone, 24 de março de 2019
Por Uzay Bulut
- Desde a vitória de Recep Tayyip Erdoğan nas eleições presidenciais de 2014, a Turquia registrou 66.691 casos de "investigações por insultos", resultando até o momento em 12.305 processos e os "recordes não param de ser batidos." — Yaman Akdeniz, professor de Direito da Istanbul Bilgi University.
- Ahmet Sever, porta-voz do ex-presidente da Turquia, Abdullah Gül, autor de um livro no qual escreve: "estamos diante de um governo ou, melhor dizendo, de um homem que considera livros mais perigosos que bombas."
- Enquanto isso Erdoğan faz jogo duplo com o Ocidente, como parte de sua campanha de décadas de se tornar membro da União Europeia. O plano pode muito bem ser a razão do ministro da justiça ter anunciado em dezembro que revelará uma nova estratégia para a reforma judicial. A UE não deveria cair no conto do vigário dessa estratégia que salta aos olhos. Deveria sim ser exigido que o governo turco cesse a prática de processar pessoas inocentes, incluindo aqueles cujo único "crime" é criticar Erdoğan.
A criminalização na Turquia por "insultar o presidente" atingiu novos recordes no início de março em Ancara quando pai e filha acusaram um ao outro de praticar um crime passível de punição, o que na realidade nada mais era do que uma briga em família.
Segundo Yaman Akdeniz, professor de direito da Istanbul Bilgi University, desde a vitória de Recep Tayyip Erdoğan nas eleições presidenciais de 2014, a Turquia registrou 66.691 casos de "investigações por insultos", resultando até o momento em 12.305 processos, e os recordes não param de ser batidos.
Özgür Aktütün, presidente da Sociology Alumni Association, disse ao jornal independente da Turquia BirGün que, apesar da Turquia sempre ter sido e continuar sendo "uma sociedade de dedos-duros", isso desde o Império Otomano, "o que salta aos olhos de uns tempos para cá é a prática desenfreada de denúncias, qualquer que seja o assunto".
"Insultar o presidente" é crime de acordo com o artigo 299 do Código Penal turco, em vigor desde 1926. Caso condenados, os infratores podem pegar até quatro anos de prisão e até um período mais prolongado se o insulto tiver acontecido em público.
A Human Rights Watch (HRW) condena essa prática. Em outubro de 2018, Benjamin Ward, diretor em exercício da HRW para a Europa e Ásia Central ressaltou:
"Os tribunais turcos condenaram milhares de pessoas nos últimos quatro anos simplesmente por se manifestarem contra o presidente. O governo deveria acabar com essa palhaçada de direitos humanos e respeitar o direito do povo turco à pacífica liberdade de manifestação do pensamento".
Não é a primeira vez que a HRW pega no pé do governo de Erdoğan para que pare de processar as pessoas por insultarem o presidente. Em um artigo de 2015 sobre o tema, a HRW escreveu:
"Figuras do governo turco, via de regra, afirmam que palavras insultuosas não configuram liberdade de expressão. Organismos como o Conselho da Europa, a Comissão Europeia, a Organização pela Segurança e Cooperação na Europa e grupos de direitos humanos tanto na Turquia quanto mundo afora, têm recorrentemente tecido pesadas críticas a essa posição e às restrições no dia a dia da Turquia à liberdade de expressão. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (ECHR) vem emitindo reiteradamente decisões sobre a Turquia quanto às violações da liberdade de expressão protegidas pelo artigo 10 da Convenção Europeia..."Desde o final de 2014 as autoridades vêm processando uma avalanche de casos com a permissão do ministro da justiça, inclusive contra crianças, sendo que várias delas tiveram que passar breves períodos em prisão preventiva... Em alguns casos tratavam-se de declarações verbais, outras de críticas nas redes sociais. Em nenhum caso o acusado usou de violência ou incitou à violência".
É lastimavelmente irônico que "insultar o presidente" seja uma das poucas coisas em relação as quais não há discriminação governamental em termos socioeconômicos, de gênero ou étnicos na Turquia. Com efeito, figuras de todas as camadas sociais estão sujeitas a investigações ou processos judiciais com respeito a esse suposto delito, incluindo estudantes do ensino médio. Dois adolescentes foram detidos por pouco tempo e levados ao tribunal em 2015, por "insultarem o presidente" em seus discursos e slogans durante um evento em Konya.
O presidente do principal partido de oposição , Partido Republicano Popular (CHP) do parlamento da Turquia, o CEO do banco HSBC na Turquia, o âncora da Fox News na Turquia, dois atores famosos, um ex-juiz e um cidadão de 78 anos são exemplos de pessoas investigadas, processadas, levadas a julgamento ou presas por "insultar Erdoğan".
Outros condenados pelo crime: o ex-copresidente do Partido Democrático Popular (HDP) de oposição, que está cumprindo pena de 18 meses de prisão; outro membro do HDP, que foi despojado de sua cadeira no parlamento no ano passado e Ahmet Sever, porta-voz do ex-presidente da Turquia, Abdullah Gül, autor de um livro no qual escreve: "estamos diante de um governo ou, melhor dizendo, de um homem que considera livros mais perigosos que bombas".
O uso do artigo 299 por Erdoğan como tática de intimidação pode ser altamente eficiente: se figuras proeminentes como Sever acabam no tribunal por ousarem criticar o governo, que chance terão os cidadãos comuns de defenderem seus direitos de se expressar? No entanto, se Erdoğan acredita que silenciar o povo é o jeito de manter numa camisa-de-força seu poder quase absoluto, ele pode não estar levando em conta o fato de que um número cada vez maior de turcos está frustrado e furioso.
Entretanto, ao mesmo tempo em que Erdoğan continua aprisionando qualquer um que se oponha ao seu governo, ele faz jogo duplo com o Ocidente, como parte de sua campanha de décadas de se tornar membro da União Europeia. O plano pode muito bem ser a razão do ministro da justiça ter anunciado em dezembro que revelará uma nova estratégia para a reforma judicial. A UE não deveria cair no conto do vigário dessa estratégia que salta aos olhos. Deveria sim ser exigido que o governo turco cesse a prática de processar pessoas inocentes, incluindo aqueles cujo único "crime" é criticar Erdoğan.
Uzay Bulut, jornalista da Turquia, Ilustre Colaboradora Sênior do Instituto Gatestone. Ela está atualmente radicada em Washington DC.
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