30 de dez. de 2018

Alemanha: Nova Lei que Proíbe o Casamento Infantil Considerada Inconstitucional

Gatestone, 29 de dezembro de 2018 







  • A decisão, que na prática abre as portas para a legalização de casamentos de adultos com crianças na Alemanha, alicerçada na Lei da Sharia, faz parte de uma multiplicação de casos nos quais os tribunais alemães estão, intencionalmente ou não, promovendo o estabelecimento de um sistema jurídico islâmico paralelo no país.
  • "A Alemanha não pode se posicionar de um lado contra casamentos infantis na arena global e, do outro lado, a favor de tais casamentos em nosso próprio país. Não tem como aceitar o comprometimento da proteção e do bem estar da criança nesse caso. Trata-se da proteção constitucionalmente estabelecida de crianças e menores!" — Winfried Bausback, legislador da Baviera que ajudou a elaborar a lei contra o casamento infantil.
  • "Devemos considerar mais uma coisa: os julgamentos são feitos" em nome do povo". Este povo expressou claramente por meio de seus representantes no Bundestag (parlamento da República Federal da Alemanha) que não quer mais aceitar o casamento infantil". — Editor Andreas von Delhaes-Guenther.




O Tribunal Federal de Justiça (Bundesgerichtshof, BGH), a mais alta corte de jurisdição civil e penal da Alemanha, deliberou que a nova lei que proíbe o casamento de adultos com crianças pode ser inconstitucional, visto que todos os casamentos, incluindo os casamentos infantis com base na Lei Islâmica (Sharia), são protegidos pela Constituição da Alemanha (Grundgesetz).

A decisão, que na prática abre as portas para a legalização de casamentos de adultos com crianças na Alemanha, alicerçada na Lei da Sharia, faz parte de uma multiplicação de casos nos quais os tribunais alemães estão, intencionalmente ou não, promovendo o estabelecimento de um sistema jurídico islâmico paralelo no país.

O caso em questão diz respeito a um casal sírio, uma menina síria de 14 anos de idade casada com seu primo de 21, que chegou à Alemanha no auge da crise migratória, em agosto de 2015. Uma espécie de Fundação do Bem-Estar do Menor (Jugendamt) se recusou a reconhecer o casamento e separou a menina do marido. O marido entrou com uma ação na justiça, na sequência uma vara de família em Aschaffenburg deliberou favoravelmente à Fundação do Bem-Estar do Menor, que sustentava ser a responsável legal pela menina.

Em maio de 2016, um Tribunal de Apelação em Bamberg revogou a decisão. O tribunal deliberou que o casamento se encontrava em conformidade com a lei porque foi contraído na Síria, onde, de acordo com a lei da Sharia, os casamentos com crianças são permitidos. A decisão, para todos os efeitos, legaliza os casamentos de adultos com crianças com base na Lei Islâmica (Sharia) na Alemanha.

A decisão, qualificada como um "curso intensivo sobre a lei do casamento islâmico sírio", foi o estopim de um tsunami de críticas. O tribunal de Bamberg foi acusado de colocar em primeiro lugar a lei da Sharia por tê-la aplicado em detrimento da lei alemã com o objetivo de legalizar uma prática proibida na Alemanha.

"Justificativas religiosas ou culturais obscurecem o simples fato de que homens mais velhos e perversos estão abusando de meninas jovens," ressaltou Rainer Wendt, chefe do Sindicato da Polícia Alemã.

Monika Michell da Terre des Femmes, um grupo que defende os direitos da mulher promovendo campanhas contra o casamento infantil assinalou: "o marido não pode ser o responsável legal por uma noiva menor de idade porque ele está envolvido em um relacionamento sexual com ela — trata-se de um evidente conflito de interesses."

A Ministra da Justiça de Hesse, Eva Kühne-Hörmann, perguntou com toda razão: "se menores de idade estão proibidos de comprar cerveja, por que então os legisladores permitem que eles tomem decisões tão importantes quanto o casamento?"

Outros disseram que uma decisão dessas abriria as comportas do conflito cultural na Alemanha, uma vez que os muçulmanos a entenderiam como um precedente para pressionar pela legalização de outras práticas islâmicas no país, incluindo a poligamia.

Em setembro de 2016 o Ministério do Interior da Alemanha, respondendo a um pedido com base na Lei de Liberdade de Informação, recentemente revelou que 1.475 menores de idade casadas residem na Alemanha desde 31 de julho de 2016, entre elas 361 crianças com menos de 14 anos de idade.

No intuito de proteger meninas casadas no exterior que solicitavam asilo na Alemanha, o parlamento alemão aprovou uma legislação em 1º de junho de 2017 que proíbe casamentos de crianças. A assim chamada Lei de Combate ao Casamento Infantil (Gesetz zur Bekämpfung von Kinderehen) estabeleceu a idade mínima de 18 anos para o casamento na Alemanha e anulou todos os casamentos existentes, até os contraídos no exterior, como por exemplo quando um dos cônjuges tinha menos de 16 anos na época da cerimônia.

O Tribunal Federal de Justiça da Alemanha, em sua decisão publicada em 14 de dezembro de 2018, declarou que a nova lei pode ser inconstitucional porque viola os artigos 1 (dignidade humana), 2 (livre desenvolvimento da personalidade), 3 (proteção equânime) e 6 (proteção do casamento e da família) da Lei Básica, que tem a função da constituição alemã.

O tribunal também determinou que a nova lei não pode ser aplicada retroativamente e, portanto, não pode ser aplicada ao casal sírio que casou em fevereiro de 2015.

Por último, o Tribunal Federal de Justiça solicitou ao Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) que examinasse a legalidade da proibição total de casamentos de adultos com crianças na Alemanha e determinasse se as autoridades alemãs devem avaliar, caso a caso, a legalidade dos casamentos infantis retroativamente.

A decisão ignora o artigo 6º da Lei de Introdução ao Código Civil Alemão (Einführungsgesetz zum Bürgerlichen Gesetzbuche, EGBGB), que determina:

"A norma jurídica de outro país não deve ser aplicada quando o seu emprego resultar em um efeito indubitavelmente incompatível com os princípios fundamentais do direito alemão. Em particular, não é pertinente se o seu emprego for incompatível com os direitos fundamentais."

Ao blindar o casal sírio da lei alemã, o tribunal não só legitimou o uso da Lei Islâmica (Sharia) para determinar o resultado de batalhas jurídicas na Alemanha, como também criou um precedente que é tido como praticamente certo que será usado no futuro por defensores do casamento infantil e de outras leis estrangeiras.

Além do mais, ao insistir que a legitimidade dos casamentos de adultos com crianças seja examinada caso a caso, o tribunal abriu as portas para as assim chamadas exceções culturais, a saber: aquelas consagradas na Lei Islâmica (Sharia), que não estabelece nenhum limite de idade para o casamento.

Winfried Bausback, legislador da Baviera que ajudou a elaborar a lei contra o casamento infantil, ficou indignado com a decisão do tribunal:

"Com base em nossa Constituição e para o bem da criança no presente caso, deveria haver uma e somente uma resposta: este casamento deve ser considerado nulo e sem efeito do início ao fim."

"A Alemanha não pode se posicionar de um lado contra casamentos infantis na arena global e, do outro lado, a favor de tais casamentos em nosso próprio país. Não tem como aceitar o comprometimento da proteção e do bem estar da criança nesse caso. Trata-se da proteção constitucionalmente estabelecida de crianças e menores!"

O editor Andreas von Delhaes-Guenther salientou:

"Em última análise trata-se de uma questão de princípios, até que ponto a Alemanha está disposta a aceitar leis estrangeiras, o que é completamente contrário à nossa lei sobre temas importantes. Levou séculos para retirar a Idade Média da nossa lei, não podemos agora trazê-la de volta em razão de uma pretensa tolerância ou 'consideração de casos individuais'. Muito pelo contrário, devemos deixar claro que na Alemanha, o direito alemão se aplica a todos, especialmente em se tratando de interesses legítimos da maior importância, como a vida, a saúde ou mesmo o bem-estar da criança, incluindo o limite de idade mínima, imutável, para os casamentos."

"Devemos considerar mais uma coisa: os julgamentos são feitos 'em nome do povo'. Este povo expressou claramente por meio de seus representantes no Bundestag (parlamento da República Federal da Alemanha) que não quer mais aceitar o casamento infantil."

Tribunais Alemães e Lei da Sharia

Os tribunais alemães estão cada vez mais aceitando a lei islâmica porque os querelantes ou os réus são muçulmanos. Os críticos dizem que os casos, especialmente aqueles em que a lei alemã foi posta para escanteio diante da Lei da Sharia, refletem uma perigosa ingerência da lei islâmica no sistema jurídico alemão.

Por exemplo, em novembro de 2016 um tribunal em Wuppertal deliberou que sete islamitas que formavam uma patrulha de justiceiros para fazer valer a Lei Islâmica (Sharia) nas ruas da cidade não infringiram a lei alemã, salientando que estavam simplesmente exercendo o seu direito à liberdade de expressão.

A autoproclamada "Polícia da Sharia" provocou uma comoção popular em setembro de 2014, ao distribuir folhetos amarelos anunciando uma "zona controlada pela Sharia" no distrito de Elberfeld, em Wuppertal. Os policiais da Sharia exortaram os transeuntes tanto muçulmanos quanto não-muçulmanos que frequentassem as mesquitas e que se abstivessem de ingerir bebidas alcoólicas, fumar cigarros, usar drogas, participar de jogos de azar, ouvir música, se envolver em pornografia e prostituição.

O promotor público de Wuppertal, Wolf-Tilman Baumert, ressaltou que os homens que usavam coletes laranja estampados com os dizeres "SHARIAH POLICE", infringiram uma lei que proíbe o uso de uniformes em manifestações públicas. A lei que proíbe, em especial, o uso de uniformes que expressam opiniões políticas, foi originalmente concebida para impedir que grupos neonazistas fizessem passeatas. Segundo Baumert, o uso dos coletes é ilegal porque eles produziam um efeito "deliberado, intimidador e militante".

O Tribunal Distrital de Wuppertal no entanto determinou que os coletes não eram tecnicamente uniformes e que de qualquer forma não representavam uma ameaça. O tribunal determinou que as testemunhas e os que por lá passavam, com certeza, não poderiam ter se sentido intimidados por aqueles homens e que processá-los é que seria infringir a liberdade de expressão. A decisão "politicamente correta", que foi contestada com sucesso, autorizou na prática a Polícia da Sharia a continuar aplicando a lei islâmica em Wuppertal.

Em 11 de janeiro de 2018, no entanto, o Tribunal Federal de Justiça derrubou a decisão do tribunal de Wuppertal e ordenou que os sete elementos fossem julgados novamente. O Tribunal Federal declarou que eles realmente infringiram a lei que proíbe o uso de uniformes.

A lei da Sharia tem tomado controle do sistema judicial alemão praticamente sem obstáculos, ao longo de quase duas décadas. Alguns exemplos:

  • Em agosto de 2000 um tribunal de Kassel ordenou a uma viúva que dividisse a pensão do falecido marido marroquino com uma mulher com quem ele também era casado. Embora a poligamia seja ilegal na Alemanha, o juiz determinou que as duas esposas dividissem a pensão, em conformidade com a legislação marroquina.
  • Em março de 2004, um tribunal em Koblenz concedeu à segunda esposa de um iraquiano que vive na Alemanha o direito à residência permanente. O tribunal deliberou que após cinco anos de casamento poligâmico na Alemanha, seria injusto esperar que ela voltasse para o Iraque.
  • Em março de 2007 uma juíza em Frankfurt citou o Alcorão em um caso de divórcio envolvendo uma mulher alemã-marroquina que vinha sendo recorrentemente espancada pelo marido marroquino. Embora a polícia tivesse intimado o homem a ficar longe da esposa, com a qual não vivia mais sob o mesmo teto, ele continuou a abusar dela e, em determinado momento, ameaçou matá-la. A juíza Christa Datz-Winter se recusou a conceder o divórcio. Ela citou a Surata 4, Versículo 34 do Alcorão, que justifica "tanto o direito do marido de fazer uso do castigo físico contra a esposa desobediente quanto a instituição da superioridade do marido sobre a mulher". A juíza acabou sendo afastada do caso.
  • Em dezembro de 2008 um tribunal em Düsseldorf determinou que um turco pagasse um dote de US$32 mil à sua ex-nora, de acordo com a Lei da Sharia.
  • Em outubro de 2010 um tribunal em Colônia deliberou que um iraniano pagasse à sua ex-esposa um dote de US$171 mil, valor atual equivalente a 600 moedas de ouro, de acordo com o contrato original de casamento, segundo a Lei Islâmica (Sharia).
  • Em dezembro de 2010 um tribunal em Munique deliberou que uma viúva alemã tinha o direito a apenas um quarto do patrimônio deixado pelo seu falecido marido, natural do Irã. O tribunal destinou os outros três quartos dos bens aos parentes do marido em Teerã, em conformidade com a Lei da Sharia.
  • Em novembro de 2011 um tribunal em Siegburg autorizou um casal iraniano a se divorciar duas vezes, primeiro por um juiz alemão de acordo com a lei alemã e depois por um clérigo iraniano de acordo com a Lei da Sharia. A diretora do Tribunal do Distrito de Siegburg Birgit Niepmann, realçou que a cerimônia da Sharia "era um serviço pertinente ao tribunal."
  • Em julho de 2012, um tribunal em Hamm deliberou que um homem iraniano pagasse à sua esposa, com a qual não vivia mais sob o mesmo teto, um dote como parte de um acordo de divórcio. O caso dizia respeito a um casal que contraiu matrimônio de acordo com a Lei Islâmica (Sharia) no Irã, migrou para a Alemanha e depois se separou. Como parte do acordo original do casamento, o marido prometeu pagar à esposa um dote de 800 moedas de ouro mediante solicitação. O tribunal ordenou que o marido pagasse à mulher US$225 mil, valor atual equivalente das moedas.
  • Em junho de 2013 um tribunal em Hamm determinou que aquele que contrair casamento de acordo com a Lei Islâmica (Sharia) em um país muçulmano e mais tarde quiser se divorciar na Alemanha deverá respeitar os termos originais estabelecidos pela Lei da Sharia. A decisão histórica legalizou, de fato, a prática da "tripla talaq" da Sharia na qual se obtém o divórcio ao recitar três vezes a frase "eu me divorcio de você".
  • Em julho de 2016, um tribunal em Hamm deliberou que um libanês pagasse à esposa, com a qual não vivia mais sob o mesmo teto, um dote como parte de um acordo de divórcio. O caso dizia respeito a um casal que contraiu matrimônio de acordo com a Lei Islâmica (Sharia) no Líbano, migrou para a Alemanha e depois se separou. Como parte do acordo original do casamento, o marido prometeu pagar à esposa um dote de US$15 mil. O tribunal alemão ordenou que ele pagasse a quantia equivalente em euros.

Em entrevista concedida ao Spiegel Online, o especialista em Islã Mathias Rohe assinalou que a existência de estruturas jurídicas paralelas na Alemanha é uma "expressão da globalização". Ele acrescentou: "nós aplicamos a lei islâmica, da mesma maneira que aplicamos a lei francesa".

Soeren Kern é membro sênior do Gatestone Institute sediado em Nova Iorque.

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