Gatestone, 08 de novembro de 2018
Por Giulio Meotti
- "Estou solicitando ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que nos ajude a sair do Paquistão". — Ashiq Masih, marido de Asia Bibi.
- "Incluir Asia Bibi no ECL (cadastro de proibição de voo) é como assinar sua condenação à morte". — Wilson Chowdhry, Presidente da Associação Cristã Paquistanesa Britânica.
- As leis da blasfêmia no Paquistão "têm sido usadas para atingir minorias religiosas, botar em prática vinganças pessoais e levar a cabo a violência dos justiceiros. Com base em pouca ou nenhuma evidência, os acusados terão que batalhar para provar que são inocentes, ao mesmo tempo em que grupos enfurecidos e violentos procuram intimidar a polícia, testemunhas, promotores, advogados e juízes". — Anistia Internacional.
A alegria da absolvição de Asia Bibi durou apenas 24 horas. Mãe de cinco filhos, cristã, do Paquistão, foi forçada a passar oito anos atrás das grades, a maior parte do tempo no corredor da morte, ao que consta, por "blasfêmia", até que a Suprema Corte do país deliberasse que ela não havia cometido nenhum crime.
"Não acredito no que eu estou ouvindo, estou livre? Eles realmente vão me deixar sair?", disse Asia Bibi por telefone diante da histórica sentença, de acordo com a agência de notícias AFP.
Lamentavelmente, protestos de rua de grandes proporções por parte de extremistas muçulmanos foram desencadeados imediatamente, com o objetivo de pressionar o governo a adiar a soltura de Asia Bibi. A rede telefônica foi suspensa em algumas regiões por motivos de "segurança". Os tumultos obrigaram as escolas de Islamabad, Punjab e Caxemira a cancelarem as aulas. Estradas foram interditadas paralisando regiões de Islamabad, Lahore e outras cidades. Escolas cristãs alertaram os pais a buscarem os seus filhos por medo da violência. As igrejas foram colocadas de sobreaviso. Os manifestantes seguravam cartazes dizendo: "Enforquem Asia Bibi".
"Haverá uma guerra se eles enviarem a Ásia para fora do país, "advertiu Khadim Hussain Rizvi, líder do Tehreek-e-Labbaik Pakistan (TLP), partido islamista que apoia as leis da blasfêmia.
Ameaças de grupos de justiceiros que exigiam a morte dela e advertiam que poderia haver distúrbios país afora, evidentemente deram certo. O governo do Paquistão, após afirmar que começaria o processo para impedir que Asia Bibi deixe o país, está no momento sendo acusado de assinar a "sentença de morte" dela.
O governo aparentemente capitulou diante da pressão e assinou um acordo cedendo a muitas das exigências de Tehreek-e-Labbaik. O governo paquistanês também prometeu não se opor a uma petição legal para reverter a libertação de Asia Bibi e colocar o nome dela no cadastro de controle de saída" (ELC) e no cadastro de proibição de voo, para impedi-la de sair do país.
"Incluir Asia Bibi no ECL é como assinar sua condenação à morte", salientou Wilson Chowdhry da Associação Cristã Paquistanesa Britânica.
O acordo, "tuitou o analista Mosharraf Zaidi" foi uma "capitulação histórica".
"É quase certo que será impossível Bibi viver no país após sua absolvição", escreveu o famoso romancista paquistanês Mohammed Hanif no jornal The New York Times.
"Impedi-la de deixar o país é permitir tacitamente que Tehreek-i-Labaik dê a largada para caçá-la e assassiná-la", escreveu Robert Spencer, ativista de direitos humanos, autor de 18 livros entre os quais best sellers do New York Times.
O marido de Asia Bibi, Ashiq Masih, acaba de pedir asilo nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. "Estou solicitando ao Primeiro Ministro do Reino Unido que nos ajude e, na medida do possível, nos conceda a liberdade", ressaltou ele. "Estou solicitando ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que nos ajude a sair do Paquistão", salientou ele. É por esta razão que o pacto entre os islamistas e o governo é visto como traição. "O acordo me deu um arrepio na espinha ", realçou Masih. "A situação atual é extremamente perigosa para nós. Não temos nenhuma segurança, estamos escondidos aqui e ali, mudando frequentemente de lugar".
Enquanto isso, a sorte de Asia Bibi continua "incerta".
Paquistão, país de 197 milhões de habitantes, armado com ogivas nucleares e aliado do Ocidente sendo 97% da sua população muçulmana, surtou com a justa absolvição dessa cristã. Como se não bastasse o sistema jurídico paquistanês tê-la torturado por oito anos, deixando-a sozinha em uma cela sem janelas. Agora que Asia Bibi foi inocentada, há milhares e mais milhares de pessoas prontas para assassiná-la.
Os islamistas acreditam que o que está em jogo na absolvição de Asia Bibi é um Paquistão mais aberto, uma derrota para a lei sharia e alguma esperança para os poucos cristãos perseguidos no país. A provação de Asia Bibi mostra claramente como o estado de direito foi carcomido no Paquistão. De acordo com a Anistia Internacional:
"as leis da blasfêmia do Paquistão são excessivas, vagas e coercitivas. Elas têm sido usadas para atingir minorias religiosas, botar em prática vinganças pessoais e levar a cabo a violência dos justiceiros. Com base em pouca ou nenhuma evidência, os acusados terão que batalhar para provar que são inocentes, ao mesmo tempo em que grupos enfurecidos e violentos procuram intimidar a polícia, testemunhas, promotores, advogados e juízes".
Recentes ataques contra cristãos paquistaneses consistiam de um ataque a uma igreja em Quetta em dezembro de 2017 que matou 9 pessoas, um ataque suicida visando cristãos que comemoravam a Páscoa em março de 2016 em um playground de Lahore que deixou 70 mortos, dois atentados à bomba contra igrejas em Lahore em março de 2015 que mataram 14 pessoas, dois ataques suicidas simultâneos contra uma igreja em Peshawar em 2013 que deixou cerca de 80 mortos e quase 40 casas e uma igreja em escombros que uma multidão havia ateado fogo na cidade de Gojra em Punjab, onde oito pessoas foram queimadas vivas em 2009. Em março passado, um tribunal paquistanês absolveu 20 pessoas acusadas de fazerem parte de uma multidão de vândalos que queimaram vivos um casal de cristãos que foi falsamente acusado de "blasfêmia". O casal de cristãos foi torturado e seus corpos foram incinerados em um forno de olaria.
"A única punição para um blasfemo é a decapitação", entoavam muçulmanos extremistas nas ruas do Paquistão em face da absolvição de Asia Bibi. Saif Mulook, advogado de Bibi, já fugiu do país com medo de ser morto, mas afirmou que valeu a pena correr o risco. "Eu acho que é melhor morrer como um homem corajoso e forte do que morrer como um rato e uma pessoa medrosa" ressaltou ele.
Os juízes muçulmanos que absolveram Asia Bibi, o presidente da Suprema Corte Mian Saqib Nasir e o juiz Asif Khosa, também receberam ameaças de morte. Eles não tinham a menor dúvida do perigo em potencial que corriam, inclusive perigo de vida, mas mesmo assim foram corajosamente em frente e assumiram o risco de se tornarem alvos dos grupos de justiceiros.
"Os três merecem ser mortos", enfatizou o líder islamista Muhammad Afzal Qadri, diante de uma manifestação em Lahore. "Os seguranças deles deveriam matá-los, ou o motorista deveria matá-los ou o cozinheiro deveria matá-los... Quem quer que tenha acesso a eles deveria matá-los antes do anoitecer".
Todos os dias Asia Bibi corre o risco de ser assassinada por esses extremistas. Guardas prisionais revelaram que ainda no mês passado, antes da absolvição, dois internos foram detidos por estarem planejando estrangulá-la. Desde 1990 62 pessoas foram assassinadas no Paquistão após serem acusadas de "blasfêmia".
Salman Taseer, corajoso muçulmano que foi governador da província de Punjab, no Paquistão, pagou com a própria vida somente por manifestar seu apoio à Ásia, ele foi assassinado pelo seu guarda-costas, que disse: "eu o matei porque o Sr. Taseer recentemente defendeu as emendas propostas à lei da blasfêmia". Malik Mumtaz Qadri, assassino de Taseer, que mais tarde foi executado pelo crime, tornou-se um herói, um "mártir", no Paquistão. Foi dado o nome de uma mesquita em sua homenagem, as pessoas vieram com seus filhos para visitá-lo na cadeia, ele lançou CDs cantando.
Se Asia Bibi for assassinada, será uma derrota gigantesca para qualquer tipo de processo judicial e uma vitória gigantesca contra os cristãos, comparável à expulsão dos cristãos do coração do Iraque.
A esta altura, só nos resta temer por Asia Bibi, assim como pelos demais cristãos que se encontram no sul da Ásia. No Ocidente parece que há apenas bocejos no tocante à caçada contra ela. Cerca de uma semana de protestos violentos e ameaças contra sua vida não sensibilizou o público europeu a ir às ruas para insistir na sua libertação. Nenhuma resolução foi tomada pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU em Genebra, que em outros casos botam a boca no trombone. Não houve nenhuma pressão contra o Paquistão para assegurar sua libertação imediata, sã e salva. Nenhuma conferência foi convocada pelos representantes da UE em Bruxelas nem em Estrasburgo.
Os governos europeus e ocidentais deveriam fazer o que estiver ao seu alcance para salvá-la. Agraciá-la com o título de Cidadã Honorária, seguindo o exemplo da cidade de Paris em 2015. Protegê-la em alguma embaixada no Paquistão. Acima de tudo, proporcionar asilo em uma democracia do Ocidente.
Nos últimos anos o Paquistão tem estado no olho do furacão de inúmeras tentativas islamistas de restringir a liberdade de expressão no Ocidente. Islamistas linha dura provocaram tumultos quando o jornal dinamarquês Jyllands Posten publicou caricaturas de Maomé. Em agosto passado Geert Wilders cancelou um concurso de caricaturas de Maomé devido a gigantescos protestos no Paquistão. Após o massacre na redação da revista satírica francesa Charlie Hebdo, eclodiram violentos protestos no Paquistão. Um ministro paquistanês ofereceu US$100 mil de recompensa para quem assassinasse quem fez o filme "Inocência dos Muçulmanos" . A palavra "blasfêmia", pairando sobre a cabeça de Asia Bibi, é a mesma usada por extremistas muçulmanos para atacarem o Ocidente.
Os juízes, quando da absolvição de Asia Bibi, salientaram: "ela parece ser alguém, nas palavras do Rei Lear de Shakespeare, que sofreu mais pecados do que pecou".
O Ocidente defenderá e ajudará esta cristã perseguida? Nós somos Bibi.
Giulio Meotti, Editor Cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano.
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