25 de out. de 2018

Experiência 'Digital' Totalitária da China

Gatestone, 25 de outubro de 2018 






  • O sistema de "crédito social" da China irá atribuir a cada indivíduo uma pontuação que será constantemente atualizada com base nas observações de comportamento, foi projetado para controlar a conduta, dando ao Partido Comunista a capacidade de administrar punições e distribuir recompensas. O ex-vice-diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado salientou que o sistema devia ser implementado para que "pessoas de baixa reputação quebrem".
  • Agentes impediram Liu Hu, jornalista, de pegar um voo porque ele tinha uma pontuação baixa. De acordo com o Global Times, controlado pelo Partido Comunista, a partir do final de abril de 2018, as autoridades impediram que indivíduos embarcassem em 11,14 milhões de voos e em 4,25 milhões de trens-bala.
  • As autoridades chinesas estão usando os cadastros para determinar mais coisas do que apenas o acesso a aviões e trens. "Eu não tenho direito de comprar uma propriedade. Meu filho não pode frequentar uma escola particular", segundo Liu. "Você sente que está sendo controlado pela lista o tempo todo."


Por volta do ano 2020, as autoridades chinesas planejam contar com cerca de 626 milhões de câmeras de vigilância em operação espalhadas pelo país. As câmeras irão, entre outras coisas, abastecer um "sistema nacional de crédito social."

Em dois anos talvez, quando estiver em funcionamento, o sistema irá atribuir a cada um na China uma pontuação que será constantemente atualizada com base nas observações de comportamento do indivíduo monitorado. Por exemplo, atravessar a rua sem a devida atenção, capturada por uma dessas câmeras, resultará em uma redução na pontuação.

Muito embora as autoridades esperem fazer com que se atravesse a rua com cuidado, ao que tudo indica, o objetivo é bem mais sinistro, como por exemplo, assegurar conformidade às exigências políticas do Partido Comunista. Em suma, parece que o governo está decidido em criar o que o Economist chama de "o primeiro estado digital totalitário do mundo"

Esse sistema de crédito social, uma vez aperfeiçoado, com certeza irá permear empresas e indivíduos estrangeiros.

No momento já há mais de uma dúzia de listas negras nacionais e cerca de três dezenas de localidades têm operado sistemas experimentais de pontuação de crédito social. O funcionamento de alguns desses sistemas foi uma decepção. Outros, como o de Rongcheng, na província de Shandong, foram considerados um sucesso.

No sistema de Rongcheng, cada residente começa com 1.000 pontos e, com base na variação em sua pontuação, ele é classificado de A +++ até D. O sistema influenciou o comportamento: impressionante no caso da China, os motoristas param nas faixas de pedestres para as pessoas atravessarem.

Os motoristas param nas faixas de pedestres porque os moradores dessa cidade, segundo reportagem do Foreign Policy, "abraçaram" o sistema de crédito social. Alguns gostaram tanto do sistema que criaram sistemas de microcrédito social em escolas, hospitais e bairros. Os sistemas de crédito social obviamente respondem à necessidade daquilo que as pessoas em outras sociedades dão como certo.

No entanto, será que o que funciona na esfera de uma cidade poderá dar certo no país inteiro? À medida que a tecnologia avança e os bancos de dados se multiplicam, os pequenos programas experimentais juntamente com os cadastros estaduais acabarão amalgamados em um único sistema nacional. O governo já começou a implementar a "Plataforma Integrada de Operações Conjuntas", que agrega dados de várias fontes, como câmeras, checagens de identificação e "localizadores de wifi".

De modo que, como será o produto final? "Não será uma plataforma unificada onde se poderá digitar o Código de Identificação e obter uma pontuação de três dígitos que decidirá sua vida" segundo a Foreign Policy.

Apesar das garantias da revista, esse tipo de sistema é exatamente o que as autoridades chinesas desejam ter. Afinal, eles nos dizem que o objetivo da iniciativa é "permitir que os dignos de confiança encontrem todas as portas abertas e os que caíram em desgraça sequer possam dar um passo".

Essa caracterização não tem um pingo de exagero. Agentes impediram Liu Hu, jornalista, de pegar um voo porque ele tinha uma pontuação baixa. O Global Times, tabloide que pertence ao People's Daily do Partido Comunista, informou que, a partir do final de abril de 2018, as autoridades impediram que os indivíduos embarcassem em 11,14 milhões de voos e em 4,25 milhões de trens-bala.

As autoridades chinesas, no entanto, estão usando os cadastros para determinar mais coisas do que apenas o acesso a aviões e trens. "Eu não tenho direito de comprar uma propriedade. Meu filho não pode frequentar uma escola particular", segundo Liu. "Você sente que está sendo controlado pela lista o tempo todo."

O sistema é projetado para controlar a conduta, dando ao Partido Comunista a capacidade de administrar punições e distribuir recompensas. E o sistema pode acabar sendo implacável. Hou Yunchun, ex-vice-diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado salientou em um fórum em Pequim, em maio, que o sistema de crédito social devia ser implementado para que "pessoas de baixa reputação quebrem". "Se não aumentarmos o custo para os mal conceituados, estaremos encorajando-os a não tomarem providências a respeito", salientou Hou. "Isso destrói todos os valores."

Não são todas as autoridades que abraçam um posicionamento tão implacável, mas parece que todos compartilham da ideia, conforme realça o moderado Zhi Zhenfeng, da Academia Chinesa de Ciências Sociais: "pessoas mal conceituadas merecem sofrer consequências legais".

O presidente Xi Jinping, o último e talvez único árbitro da China, deixou claro como ele se sente em relação à disponibilidade de segundas chances. "Uma vez não confiável, sempre sob controle", salienta o governante chinês.

O que acontece, então, a um país onde somente os submissos têm permissão para embarcar em um avião ou serem recompensados ​​com descontos de serviços do governo? Ninguém sabe ao certo porque jamais um governo foi capaz de avaliar continuadamente, sem trégua, faça chuva ou faça sol, a todos e na sequência impor sua vontade. A República Popular da China tem sido mais meticulosa em manter arquivos e classificar os moradores do que os governos chineses anteriores e o poder da informática e a inteligência artificial estão agora dando às autoridades chinesas recursos extraordinários.

É quase certo que Pequim amplie o sistema de crédito social, que tem raízes nas investidas de controlar os empreendimentos domésticos também para as empresas estrangeiras. É bom lembrar que os líderes chineses impuseram, no ano em curso, à indústria do turismo mundial a obrigação das cadeias de hotéis e companhias aéreas a identificarem Taiwan como parte da República Popular da China, de modo que demonstraram determinação em intimidar e punir. Quando o sistema de crédito social estiver em funcionamento, será necessário somente um pequenino passo para incluir não chineses no sistema, estendendo o totalitarismo alimentado pela tecnologia de Xi para o mundo inteiro.

A narrativa dominante nas democracias liberais ao redor do mundo é que a tecnologia favorece o totalitarismo. Sem dúvida alguma, sem as rédeas do respeito à privacidade, os regimes linha-dura têm mais condições de coletar, analisar e usar dados, o que poderia fornecer uma vantagem decisiva no tocante à aplicação da inteligência artificial. Um governo democrático pode compilar uma lista de exclusão de passageiros de linhas aéreas, mas ninguém chegaria perto de implementar a visão de Xi Jinping de um sistema de crédito social.

Os líderes chineses estão, de longa data, obcecados com o que o então presidente Jiang Zemin chamou em 1995 de "informatização, automação e inteligencialização", e isso é só o começo. Dados os recursos que estão sendo acumulados, eles poderiam, seguindo essa linha de raciocínio, virtualmente fazer com que seja impossível qualquer tipo de oposição.

A tecnologia poderá até tornar a democracia liberal e os mercados livres "obsoletos" escreve Yuval Noah Harari, da Universidade Hebraica de Jerusalém, na revista The Atlantic. "A principal desvantagem dos regimes autoritários do século XX, o desejo de concentrar toda a informação e poder em um único lugar, pode se tornar a vantagem decisiva desses regimes no século XXI", segundo ele.

Não há dúvida de que a tecnologia confere poderes ao estado de partido único da China para efetivamente reprimir o povo. A primeira evidência desta proposição é, indubitavelmente, o sistema de crédito social do país.

No entanto, a China comunista irá provavelmente exagerar. Até agora, a experiência do país em relação aos sistemas de crédito social sugere que as autoridades são seus próprios e piores inimigos. Um experimento primordial para conceber tal sistema no condado de Suining, na província de Jiangsu, foi um fracasso:

"Tanto os moradores quanto a mídia estatal desferiram violentas criticas ao sistema, devido, ao que tudo indica, aos critérios injustos e arbitrários, fazendo com que um jornal estatal comparasse o sistema aos certificados de 'bom cidadão' emitidos pelo Japão durante a ocupação na época da guerra com a China."

O sistema de Rongcheng tem tido mais sucesso porque o escopo tem sido relativamente modesto.

Xi Jinping não será tão contido quanto as autoridades de Rongcheng. Ele evidentemente acredita que o Partido deva ter controle absoluto sobre a sociedade e que ele deva ter controle absoluto sobre o Partido. É simplesmente inconcebível que ele não irá incluir no sistema nacional de crédito social, quando tudo estiver costurado, critérios políticos. As autoridades chinesas já estão tentando usar a inteligência artificial para prever comportamentos contrários ao Partido.

Xi Jinping não é apenas um líder autoritário, como se costuma dizer. Ele está conduzindo a China de volta ao totalitarismo à medida que busca controlar, como Mao, todos os aspectos da sociedade.

A questão agora é se o povo chinês cada vez mais rebelde aceitará a visão abrangente de Xi. Nos últimos meses muitos tomaram as ruas: caminhoneiros em greve protestando em relação aos custos e taxas, passeatas de veteranos do exército em relação às aposentadorias, investidores impedindo que repartições públicas recuperem dinheiro de fraudadores, muçulmanos cercando mesquitas para impedir sua demolição e pais protestando contra o flagelo de vacinas adulteradas, entre outros. Os líderes chineses obviamente acham que seu sistema de crédito social vai parar essas e outras expressões de descontentamento.

Esperemos que o povo chinês não seja de fato desestimulado. Dada a amplitude das ambições do Partido Comunista, todos, chineses ou não, têm interesse que o totalitarismo digital de Pequim fracasse.
Gordon G. Chang é o autor do livro "The Coming Collapse of China" e Ilustre Colaborador Sênior do Gatestone Institute.

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