29 de set. de 2016

Convite a "vão-se a eles" abre nova frente da guerra diplomática russo-americana

Imagem que define a atual política externa de Obama


RTP, 29 de setembro de 2016. 



Por Andrade Ramos



O porta-voz da Secretaria de Estado dos EUA, John Kirby, afirmou na quarta-feira que a Rússia poderá ser atacada por grupos terroristas se não modificar a sua política na Síria. Na resposta, a homóloga russa de Kirby, Maria Zakharova, afirmou que estas palavras parecem muito uma ordem de "vão-se a eles".

O recado de Kirby, o mais recente na pressão feita pelos Estados Unidos sobre a Rússia para esta deixar de apoiar o Presidente sírio Bashar al-Assad, foi deixado numa conferência de imprensa. 

Se a guerra na Síria continuar, "mais vidas russas irão perder-se, mais aparelhos aéreos russos serão abatidos", disse Kirby.


"Grupos extremistas irão continuar a explorar os vácuos que existem na Síria para expandir as suas operações, que podem incluir ataques contra interesses russos, talvez até cidades russas", acrescentou. 

De acordo com a televisão russa RT na sua página web, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros reagiu na rede Facebook como a uma ameaça velada.

 

"E estes [atos de terrorismo] serão perpetrados por [grupos de oposição síria] 'moderados?'", perguntou Zakharova. "Aqueles que Washington tem sido incapaz de distinguir da al-Nusra nos últimos seis meses?".

E quanto "aos ataques terroristas em França, na América e noutros países; as decapitações das pessoas de todas as nacionalidades pelos militantes do Estado Islâmico na Síria - é tudo isto uma espécie diferente de paradigma? Talvez outra "realidade paralela?", indagou a porta-voz russa. 

"Não parece que tal ventriloquismo sobre mortos, ataques terroristas em cidades russas e perda de aparelhos aéreos soa mais a uma ordem de vão-se a eles, mais do que a comentário diplomático?", concluiu Zakharova. 

Suspensão do acordo

Na quarta-feira os chefes da diplomacia de ambos os países, Serguei Lavrov e John Kerry, falaram ao telefone. Kerry ameaçou Lavrov com a suspensão de toda a cooperação entre Moscovo e Washington para por fim à guerra na Síria, se o Kremlin e Damasco não terminarem a sua atual ofensiva contra a zona leste de Alepo, dominada por grupos rebeldes sírios. 

O acordo russo-americano permitiu uma semana de cessar-fogo para permitir o acesso de auxílio humanitário a populações civis cercadas, nomeadamente a área sob domínio rebelde de Alepo, no noroeste da Síria. As tréguas foram violadas diversas vezes por grupos rebeldes e a ONU considerou que não tinha condições de segurança para enviar o auxílio, acusando Damasco de criar obstáculos burocráticos ao encaminhamento do auxílio. 

Lavrov lembrou a Kerry que foram os americanos que se mostraram incapazes de separar os grupos rebeldes que apoiam dos grupos terroristas sírios, como têm prometido fazer. E lembrou uma entrevista recente do comandante da Frente al-Nusra, considerada a al Qaeda na Síria, o qual revela como o grupo tem recebido apoio internacional, incluindo armamento norte-americano. 

Lavrov disse a Kerry que um certo número de grupos apoiados pelos Estados Unidos têm estado a lutar ao lado da al-Nusra. 

Durante a conferência de imprensa, Kirby respondeu às objeções russas, afirmando que os Estados Unidos têm influência sobre alguns grupos mas não sobre todos. E reconheceu que "nem todos os grupos, todos os dias, cumpriram o acordo de cessar-fogo". "Mas estamos a trabalhar com eles quanto a isso", garantiu.



Ameaça e chantagem

Kirby confirmou ainda a possível mudança de estratégia. "Estamos a trabalhar nos passos que poderemos ter de dar para suspender o nosso acordo com a Rússia na Síria. Ainda não começamos a dá-los", afirmou na conferência de imprensa. "A mensagem ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (russo) hoje é que, estamos perfeitamente abertos e capazes de iniciar esses passos que iriam por fim ao acordo bi-lateral russo-americano na Síria". 

Um discurso entendido como uma ameaça em Moscovo. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Ryabkov, disse esta quinta-feira que as declarações norte-americanas sobre a suspensão do acordo soam a chantagem.

"É uma política que ameaças e de chantagem, com o objetivo de impor soluções favoráveis aos Estados Unidos e aos seus clientes", afirmou à RIA Novosti. "É impossível chegar a acordo e à estabilização nestas bases".

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