NationalReview, 15 de junho de 2016.
Por Mary Eberstadt.
Observando algumas das mudanças sociais radicais lá fora – desde a legalização do casamento homossexual no ano passado, a campanha da administração Obama este ano por mais banheiros transgêneros – muitas pessoas de opiniões contrárias e diferentes têm parado para se perguntarem a mesma coisa. Como é que a revolução social sobre o sexo aconteceu tão rapidamente?
Um parecer contrário diria que isso não aconteceu. Olhando para o passado, apenas nos últimos dois anos, a legalização do casamento do mesmo sexo e a integração do "transgenismo" – bem como as transformações que os antecederam, e outras ainda por vir – não são, de fato, precipitadas em tudo. Elas são, em vez disso, apenas as últimas avaliações do panorama de uma mudança sísmica que está em curso há décadas.
Por mais de meio século – pelo menos desde a invenção do controle da natalidade e pílula anticoncepcional – os secularistas e os progressistas coletivamente, mesmo sem estarem conscientes, foram montando uma nova ortodoxia, quase religiosa. No lugar da cultura judaico-cristã de ontem, foram imitando os seus contornos [características] a um grau incrível, e este novo corpo de crenças tem agora um ceticismo secular bem desenvolvido. Sua fé fundamental é que a revolução sexual – ou seja, a gradual desestigmatização de todas as formas de consentir o sexo fora do casamento – tem sido uma bênção para toda a humanidade.
Na nova dispensação, restrições e atitudes tradicionais são vistas como formas de julgamento, moralistas e de agressão socialmente sancionada, especialmente contra as mulheres e minorias sexuais. Estas vítimas da sexualidade tornam-se os novos santos seculares. Sua virtude torna-se sua rejeição e o desprezo da moral sexual tradicional, e seus atos são efetivamente “transvalorizados” como expressões positivas de liberdade.
O primeiro mandamento desta nova escritura secularista é que nenhum ato sexual entre adultos está errado. Dois imperativos do corolário é que tudo o que contribui para consentir atos sexuais é um bem absoluto, e que qualquer coisa que interfira ou ameace interferir, com o consentimento dos atos sexuais é ipso facto errado.
Observe o caráter absolutista dessas crenças, e como elas são postas em prática. Por exemplo, é precisamente o status sagrado, e inegociável atribuído à concepção e ao aborto que explica por que – apesar dos protestos históricos de querer que o aborto seja “seguro, legal e excepcional” – na prática, o progressismo secular defende todo e cada ato de aborto tenazmente, cada um no seu devido tempo.
Significativamente, esta nova fé não vai mesmo chamar o aborto daquilo como ele é conhecido “nascimento parcial,” uma prática que até mesmo o falecido senador Daniel Patrick Moynihan, um liberal que não era aliado dos tradicionalistas, chamou de “beirando o infanticídio”. No entanto, mesmo o aborto por nascimento parcial não balançou as convicções dos ativistas que o defendem.
Se o aborto fosse verdadeiramente um exercício de “escolha”, seria logicamente previsível que os seus defensores escolhessem ser contra ele algumas vezes. Mas isso, repito, não acontece – e isto não nos diz muito sobre para onde o progressismo secularista irá. O aborto não é uma mera “escolha”, na forma de consumo livre de valores que é uma retórica mutável. Não: O aborto dentro do progressismo secular tem o estatuto de ritual religioso. Ele é sacrossanto. É um rito comum – aquela através da qual, parece seguro pensar, que é por que as pessoas entram na comunidade secularista em primeiro lugar.
Tanto secularistas quanto fiéis precisam entender a lógica interna do animus de hoje contra os crentes religiosos. Se a fúria dirigida a eles e seus preceitos poderiam ser suprimidos com uma única palavra, essa palavra não seria teodiceia. Não seria supersessionismo. Não seria Pelagianismo, ou arianismo, ou outros religiosos casus belli do passado. No mundo ocidental contemporâneo, a palavra somente seria sexo. O Cristianismo tradicional presente, assim como o Cristianismo do passado e o Cristianismo por vir, contende com muitos inimigos e forças compensatórias. Mas o seu único inimigo mais mortal agora não é o material de filosofia da sala comum. Ao contrário, é a revolução sexual – e a corrente de defesa absolutista da revolução feita por aderentes e beneficiários.
Afinal, os cristãos e outros dissidentes sociais hoje não são ameaçados com a perda do emprego por causa de escrever em livros auto publicados sobre o ensino bíblico contra o roubo, por exemplo. Capelães militares não estão sendo removidos de seus escritórios e sendo postos para fora por citar o livro de Rute. Não, cada ato cometido contra os crentes em nome da “tolerância” intolerante de hoje tem um único denominador comum, que é a proteção secularista das prerrogativas percebidas da revolução sexual a todo o custo. A nova intolerância é uma subsidiária integral dessa revolução. Nenhuma [outra] revolução, nenhuma nova intolerância.
O que também precisa de compreensão é o ritmo e a suspeita de alguns tradicionalistas, de achar que o progressismo secular de hoje não é uma visão niilista do mundo. Pelo contrário: Ela abraça uma ortodoxia alternativa e um corpo bem desenvolvido de crenças. O impulso fundamental que leva à penalização dos tradicionalistas morais hoje não é libertário. Ao contrário, é "neo-puritano" –, ou seja, destina-se a salvaguardar o seu próprio corpo de verdades reveladas e desenvolvidas e, marginalizando, silenciando, e punindo concorrentes.
Esse substituto imita a Religião, o Cristianismo, até mesmo de maneiras sobrenaturais. Ele oferece uma hagiografia dos santos seculares, por exemplo, todos os clientes da revolução: prosélitos para o aborto e a contracepção, tais como Margaret Sanger e Helen Gurley Brown e Glória Steinem; cripto-escolásticos, cujo trabalho é venerado geração após geração de fiéis, e fora dos limites para o revisionismo intelectual, como Alfred Kinsey e Margaret Mead; ascetas quase monásticos, tais como os depositários públicos sombrios dos direitos de aborto a National Abortion Rights Action League e Planned Parenthood; e até mesmo “missionários” estrangeiros, na forma de representantes na caridade progressiva e de burocracias internacionais – aqueles que carregam a palavra da revolução, e os sacramentos secularistas de contracepção e aborto, para as mulheres nos países mais pobres do mundo.
Da mesma forma bem desenvolvida está a demonologia desta fé substituta, que agora inclui, por exemplo, a hierarquia católica romana; os principais porta-vozes para o protestantismo evangélico; grupos legais envolvidos em causas de liberdade-religiosa; a maioria dos conservadores políticos; todos os conservadores sociais; e o apóstata ocasional que se devia do código secularista.
Os seguidores deste código recém aceito o adicionam como a mais Sagrada Escritura ou um cânone de textos e doutrina – um corpo de literatura e comentários que não podem ser questionados, sem o risco de excomunhão do grupo. Ele também é governado por uma determinada lógica – a lógica não aristotélica, mas algum outro tipo, cujo silogismos incluem “se você é contra o aborto, então você é um anti-mulher”; “se você se opõe ao casamento do mesmo sexo, então, você odeia as pessoas atraídas pelo mesmo sexo”; narrando formulações falaciosas aristotélicas de si mesmos.
Se a aproximação entre o arquitetônico progressismo secular e a própria cultura judaico-cristã mostram a incapacidade de dois mil anos de história religiosa, ou melhor, de que para que haja ressonância religiosa profunda entre eles mesmos, e os indeléveis anseios humanos para a transcendência – ou ambos – são um assunto fascinante que merece ser explorado. Mas que hoje as ações ideológicas progressivas têm características reconhecíveis com as da cultura judaico-cristã, ao mesmo tempo em que repudiam todos os princípios tradicionalistas que ameaçam sua teologia substituta, aparentemente é indiscutível.
A base do progressismo contemporâneo só pode ser descrita como quase-religiosa. Os seguidores desta fé são, além disso, kantianos sobre essas crenças, no sentido do imperativo categórico da que o filósofo requer: exatamente como seguidores de outras religiões, eles acreditam tanto que estão certos, e que as pessoas que discordam estão erradas – e que aquelas outras pessoas devem pensar de forma diferente.
A guerra chamada cultura, ou seja, não tem sido conduzida por pessoas de fé religiosa de um lado, e pessoas de nenhuma fé do outro. Ao contrário, é uma competição de concorrentes de crenças: um baseado num bom livro, e o outro no livro figurativo mais recentemente escrito pela ortodoxia secularista sobre a revolução sexual. Em suma, o progressismo secular hoje é muito menos dum movimento político e muito mais de uma igreja.
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