Primeiro-ministro conservador britânico vive um momento difícil. Papéis do Panamá, contestação nas ruas e possível saída da União Europeia colocam-no sob forte pressão
"Estou aqui porque detesto o David Cameron", disse ao London Evening Standard Michaella Hagger, de 27 anos, uma dos 50 mil manifestantes que ontem se juntaram em Londres numa manifestação contra a austeridade e pedindo a demissão do primeiro-ministro.
O protesto foi organizado pela plataforma Assembleia do Povo e divulgado nas redes sociais. "O envolvimento de David Cameron na offshore do pai prova que este é um governo apenas para uns poucos privilegiados e não para a maioria. Mostra, para lá de qualquer dúvida, que o primeiro-ministro está completamente afastado e divorciado dos problemas dos trabalhadores", podia ler-se na página do Facebook a convocar a manifestação.
Vida complicada para os tories
Nas últimas semanas, depois das revelações dos Papéis do Panamá, a contestação ao governo conservador de Cameron tem vindo a subir de tom. Essa é mais uma dor de cabeça para um primeiro-ministro que se preparara para enfrentar aquele que pode ser um momento histórico de viragem para a Europa.
O referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, marcado para 23 de junho, está a dividir o país e já fez instalar um clima de guerra civil no Partido Conservador. A possibilidade de um brexit está longe de ser um cenário de ficção científica e o que fará Cameron, a principal voz da campanha pela permanência, se os britânicos escolherem dizer adeus à UE?
Na passada quarta-feira, no parlamento, Douglas Carswell, deputado do eurocético UKIP, perguntou ao primeiro-ministro se aceitaria continuar no governo caso perdesse o referendo. Cameron - que teve um discurso de demissão preparado no dia do referendo escocês pela independência, em setembro de 2014 - foi assertivo na resposta: "sim".
Para o conservador Kenneth Clarke, ex-ministro de Margaret Thatcher, de John Major e do próprio David Cameron, esse cenário é uma total impossibilidade. "O primeiro-ministro não dura nem 30 segundos no cargo se perder o referendo. E seríamos atirados para uma crise de liderança nos tories coisa que nunca é muito edificante", afirmou o ex-governante em declarações à BBC Radio 4. De acordo com Clarke - um dos poucos deputados ainda em funções que já tinha assento parlamentar em 1975, quando 67% dos britânicos votaram pela continuidade na então CEE -, qualquer que seja o resultado do referendo, o Partido Conservador terá pela frente um trabalho demoníaco. "Mas uma coisa é certa, em caso de saída da UE, o primeiro-ministro que terá essa tarefa pela frente não será David Cameron". Depois de toda a campanha que o líder dos tories tem feito pela permanência, a hipótese de ser o próprio Cameron a negociar os termos da saída é, para Kenneth Clarke, um "completo absurdo".
A questão é que mesmo em caso de vitória, o primeiro-ministro não terá pela frente um mar de rosas. Essa pelo menos é a opinião de Bernard Jenkin, deputado conservador que apoia o brexit. "Se os britânicos votarem pela permanência muita gente irá abandonar o partido. Essa crise tornará mais provável um governo de Jeremy Corbyn [líder do Partido Trabalhista]".
Obama acusado de hipocrisia
Quem também veio ontem atirar mais uma acha para a fogueira da discussão sobre o brexit foi o presidente da câmara de Londres, Boris Johnson. Quando a cidade se prepara para receber Barack Obama - que aterra na capital na próxima quinta-feira, o autarca afirmou que o presidente dos EUA estará a ser hipócrita se, como se espera que aconteça, aparecer ao lado de David Cameron a fazer campanha pela permanência do Reino Unido da União Europeia. "Parece-me bizarro que os norte-americanos nos venham dar lições quando eles jamais aceitariam partilhar soberania", afirmou Johnson.
Obama deverá almoçar com a rainha Isabel II na sexta-feira - dia seguinte ao seu nonagésimo aniversário - voando depois para Hannover, na Alemanha, onde deverá abordar de forma mais detalhada os desafios que a Europa enfrenta.
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