Diário de Notícias, 24 de abril de 2016.
Por José Fialho Gouveia
Dúvida nas eleições de hoje é saber se o atual primeiro-ministro terá maioria absoluta. País balcânico convive com crise dos refugiados e regresso de ex-detido no TPI-J em Haia.
A 24 de março de 1999, depois de as negociações de paz para o Kosovo terem falhado, a NATO iniciava os bombardeamentos contra a Sérvia. Nessa altura, no governo de Slobodan Milosevic, um jovem de 29 anos ocupava o cargo de ministro da Informação. Chamava-se Aleksandar Vucic. Hoje, 17 anos volvidos, o aliado político do principal rosto da guerra na ex-Jugoslávia, prepara-se para ser reeleito primeiro-ministro e está no limiar de conseguir a maioria absoluta.
A realidade é fértil em reviravoltas. O ultranacionalista que impôs multas e sanções para os jornalistas que criticassem Milosevic é o mesmo homem que se prepara para guiar a Sérvia no caminho da União Europeia. "Não escondo que mudei e tenho orgulho nessa mudança. Pensei que estava a fazer o melhor para o meu país, mas estava errado", afirmou à AFP em 2012.
A mudança foi radical. Basta pensar nas declarações que fez em de 1999, quando as bombas da NATO caíam sobre a Sérvia: "É impossível que criminosos como Bill Clinton e Tony Blair alguma vez tenham tido uma mãe. Em comparação com eles até Hitler era um menino."
Na atual crise dos refugiados, Vucic deu mais uma vez provas de que o ultranacionalismo que o caracterizou é coisa do passado, ao dizer que a Sérvia está disponível para receber uma quota daqueles que procuram asilo na Europa.
Salvador ou déspota?
No calendário original, as eleições estavam previstas para março de 2018, mas Vucic decidiu antecipá-las: "Precisamos de mais quatro anos de estabilidade para ficarmos prontos para aderir à UE."
Eleito primeiro-ministro nas legislativas de 2014 com mais de 48% dos votos, não há dúvidas de que o líder do Partido Progressista Sérvio (SNS) vencerá as eleições de hoje. Resta apenas saber se os eleitores irão entregar-lhe o poder absoluto. De acordo com as sondagens das últimas semanas, as previsões oscilam entre os 44,8% e os 54%.
Para o jornal Balkan Insight, os próximos anos irão mostrar se Vucic ficará para a história como o salvador da Sérvia ou como o seu déspota. A mesma publicação traça-lhe o perfil de um negociador com ambições sem limites. "A sua mais notável característica é a capacidade de metamorfose para continuar a liderar. O oportunismo levou-o a mudar abruptamente de rumo em 2008. Da noite para o dia, o defensor da Grande Sérvia e adversário da UE transformou-se num moderado e num entusiasta da adesão."
A Europa parece estar cada vez mais perto. Na sexta-feira, Franco Frattini - ex-vice-presidente da Comissão Europeia - esteve em Belgrado para um comício de Vucic e considerou "realista" o objetivo sérvio de concretizar a adesão em 2020.
Em junho deverão ser abertos dois dos capítulos considerados cruciais para o processo. O primeiro sobre justiça e direitos fundamentais. O segundo relacionado com liberdade e segurança.
Outros candidatos
Nas sondagens para as eleições de hoje, a seguir ao SNS surge a coligação de esquerda liderada pelo Partido Socialista da Sérvia (SPS) - nascido em 1990 da fusão entre a Liga dos Comunistas, de Milosevic, e a Aliança dos Trabalhadores.
Apesar de estar garantido o segundo lugar na preferência dos eleitores, Ivica Dacic, cabeça de lista do SPS, deverá ficar abaixo dos 13% (em 2014 chegou aos 13,5%).
O processo eleitoral na Sérvia ficou marcado, no mês passado, por duas decisões do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia. Radovan Karadzic, ex-líder dos sérvios-bósnios nos anos 1990, foi condenado a 40 anos por genocídio e crimes contra a humanidade. Por outro lado, o ultranacionalista Vojislav Seselj viu-se absolvido de todas as acusações. Seselj é o líder do Partido Radical Sérvio (SRS), que aparece em terceiro lugar nas estimativas eleitorais, com previsões que oscilam entre os 7% e os 10%.
Outra das figuras políticas relevantes envolvidas na eleição de hoje é o líder do Partido Social Democrata (SDS), Boris Tadic, presidente sérvio entre 2004 e 2012. Tadic coligou o seu partido com outras duas forças políticas. O cabeça de lista dessa aliança é Nenad Canak, que em 2009 participou no Big Brother Famosos. As estimativas apontam para um resultado ligeiramente acima dos 5%, o limite mínimo para conseguir lugares no Parlamento.
No entanto, mesmo que seja eleito deputado, Tadic já afirmou que não irá ocupar a cadeira na Assembleia, deixando-a para outro membro do partido. Tudo indica que os objetivos políticos que persegue são mais altos. Segundo o Balkan Insight, Boris Tadic está a preparar-se para uma recandidatura presidencial nas eleições do próximo ano.
Também na luta por conseguir um assento parlamentar está Sanda Raskovic Ivic, considerada a Marine Le Pen da Sérvia. Líder do eurocético Dveri, Raskovicc foi impulsionada pelo descontentamento com a situação económica e com as políticas de austeridade. Ainda assim, será difícil conseguir fazer que a extrema-direita regresse ao Parlamento. Pode não ser um caso de paixão, mas os sérvios querem casar-se com a União Europeia. E vão votar em Aleksandar Vucic para padrinho.
Fonte:http://www.dn.pt/mundo/interior/vucic-procura-reeleicao-para-levar-servia-ao-altar-da-europa-5141185.html
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