Acordo só deverá ser fechado no Conselho Europeu de dias 17 e 18. Ideia inicial prevê possibilidade de enviar migrantes ilegais e refugiados da Grécia para a Turquia
O princípio de acordo obtido na madrugada de ontem entre a União Europeia e a Turquia pode vir a ser declarado ilegal. O alerta veio das Nações Unidas e de várias organizações humanitárias, que criticaram de forma dura a intenção de enviar para território turco migrantes e refugiados que entraram na UE pela Grécia.
"A expulsão coletiva é proibida pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Um acordo que parece estabelecer a expulsão direta de estrangeiros para um país terceiro não é compatível com a legislação europeia nem com a legislação humanitária internacional", disse ontem o responsável do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados na Europa, Vincent Cochetel.
No mesmo sentido, a Amnistia Internacional considerou "desumano e com defeitos morais e legais" o texto aprovado em Bruxelas no âmbito da cimeira UE-Turquia. Os líderes da UE e Turquia fazem "uma negociação à margem dos direitos e da dignidade de algumas das pessoas mais vulneráveis do mundo", alertou a diretora desta organização junto das instituições europeias, Iverna McGowan. Os Médicos sem Fronteiras, por seu lado, notaram que "os líderes europeus perderam por completo o sentido de realidade e o acordo que está a ser negociado entre a União Europeia e a Turquia é um dos exemplos mais claros do seu cinismo".
A indignação e as críticas, somadas aos riscos de ilegalidade, poderão fazer parecer excessivas as palavras de alguns dirigentes europeus no pós-cimeira. "Os dias da imigração ilegal para a Europa terminaram", afirmou ao início da madrugada o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. "Fazendo o que pretendemos fazer acabaremos com o modelo de negócio dos traficantes que exploram a miséria humana. Deixaremos claro que apenas os caminhos viáveis são uma oportunidade plenamente legal", disse, por sua vez, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
O plano delineado por UE e Turquia prevê a devolução para o território turco de quem atravessar o mar Egeu pelas rotas ilegais. Bruxelas acredita que assim será possível travar o fluxo migratório que atingiu níveis sem precedentes. Mas isso baseia-se na regra de um por um: por cada imigrante ilegal enviado da Grécia para a Turquia será enviado um refugiado que esteja em território turco para um país da UE. O processo será financiado pela UE. Aliás, para gerir esta crise, além dos três mil milhões de euros que já tinham sido aprovados pelos europeus, Ancara exigiu mais três mil milhões, segundo informações avançadas pelos media europeus. A verba deverá ser entregue em 2018 e, embora os 28 não se tenham comprometido com um número concreto, prometeram "estudar" formas de financiamento adicional.
No entanto, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, fez questão de frisar que não veio a Bruxelas "pedir dinheiro", tratando-se de uma repartição "solidária de responsabilidades" pelos custos de alojamento. "Temos atualmente 2,7 milhões de refugiados. A Turquia é o maior país de acolhimento do mundo. (...) E nós já gastámos até agora 10 mil milhões de dólares com os que estão nos campos de refugiados", acrescentou ainda Davutoglu. A Turquia exige ainda uma liberalização de vistos para os seus cidadãos, que poderá ser concedida já em junho, bem como a abertura de novos capítulos na adesão da Turquia à União Europeia, nomeadamente a energia e os assuntos internos. A UE, porém, continua a não dar sinais de abertura à entrada de um novo Estado membro. Juncker já disse que até ao final do seu mandato o dossiê dos alargamentos continuará fechado.
Falando também já ontem de madrugada em Bruxelas, o primeiro-ministro, António Costa, disse acreditar que um acordo com a Turquia será fechado no próximo Conselho Europeu dos dias 17 e 18. "Creio que na próxima semana teremos já uma versão final e será possível darmos uma resposta mais efetiva a esta crise humanitária." Em Portugal o porta-voz da Conferência Episcopal, Manuel Barbosa, alertou que não pode haver bloqueio ao fluxo de refugiados, numa altura em que milhares de pessoas se encontram bloqueadas na fronteira entre a Grécia e a Macedónia por causa do fecho de fronteiras. Sobretudo na zona de Idomeni.
Na Alemanha, Angela Merkel considerou, na rádio SWR, que "as coisas estão a ir na direção certa". A chanceler tem visto a sua popularidade cair por causa da sua política inicial de portas abertas aos refugiados, na maioria sírios, enfrentando o seu partido, a CDU, um teste muito importante nas eleições deste domingo nos estados federados da Renânia-Palatina, Alta Saxónia e Bade-Vurtemberga.
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