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18 de fev. de 2019

Distúrbios na França: Sem um Fim à Vista

Gatestone, 16 de fevereiro de 2019 








  • O terceiro grupo, extremamente grande: é o restante da população. A classe alta dominante os considera um peso morto lamentável e não espera nada deles, exceto silêncio e submissão. Eles geralmente têm dificuldade em fechar as contas. Eles pagam impostos mas veem que uma parcela cada vez maior desses impostos está sendo usada para subsidiar aqueles que os expulsaram de suas casas suburbanas.
  • Por enquanto, ao que tudo indica, Macron sequer reconhece que essas pessoas existem.
  • Quando Macron baixou os impostos dos mais ricos e aumentou os impostos dos "periféricos" com o imposto sobre os combustíveis, foi a gota d'água, isso sem falar da sua atitude arrogante e paternalista.
  • "Hoje, a maioria dos manifestantes não ataca os policiais. No entanto, em vez de agir para acalmar os ânimos, a polícia recebe ordens forçando a barra para que os policiais ajam com muita violência. Eu não culpo a polícia. Eu culpo aqueles que dão as ordens". — Xavier Lemoine, prefeito de Montfermeil, cidade nos subúrbios da região leste de Paris, onde o vandalismo de 2005 foi particularmente destrutivo.




Sábado, 26 de janeiro de 2019. As manifestações dos "coletes amarelos" foram organizadas nas principais cidades da França. A mobilização não está perdendo força. O apoio da população caiu ligeiramente, mas ainda é bem expressivo (60% a 70%, de acordo com os levantamentos). O principal slogan permanece o mesmo desde 17 de novembro de 2018: "Fora Macron". Em dezembro, foi adicionado outro slogan: "referendo de iniciativa dos cidadãos".

O governo e o presidente francês Emmanuel Macron têm feito tudo para esmagar o movimento. Tentaram enxovalhar, difamar, disseram que os manifestantes eram "subversivos" que queriam derrubar as instituições e fascistas "camisas marrom". Em 31 de dezembro, Macron se referiu a eles como "multidões odiosas". A presença de antissemitas no movimento levou um porta-voz do governo a chamar (incorretamente) todo o movimento de "antissemita".

O ministro do interior, Christophe Castaner, ordenou que a polícia recorresse a um certo grau de violência, não visto desde a época da guerra com a Argélia (1954-1962). Nas duas últimas décadas tumultos tiveram lugar, inúmeras vezes, na França. Em 2005, por exemplo, quando o país inteiro foi engolfado por incêndios e tumultos por semanas a fio, o número de manifestantes feridos permaneceu baixo. Mas a violência gera consequências. Somente nas últimas semanas, 1.700 manifestantes ficaram feridos, alguns gravemente. Dezenove perderam um olho, quatro perderam uma mão. Apesar dos policiais franceses não usarem armas letais, eles usam pistolas de bala de borracha e não raramente fogo no rosto dos manifestantes, alvo proibido pelos atuais procedimentos padrão de operação. Os franceses também são os únicos na Europa cuja força policial faz uso de bombas de efeito moral.

Macron nunca tratou os manifestantes como pessoas com direito a reivindicações legítimas, de modo que ele nunca prestou atenção às suas reivindicações. Ele só concordou em suspender o aumento do imposto sobre os combustíveis que deveria começar a ser cobrado em janeiro e conceder um ligeiro aumento no salário mínimo, o que ele concordou em fazer somente após semanas de protestos.

Os jornalistas dizem que Macron achou que o movimento iria se esvair depois do fim do ano, que a violência policial e o desespero induziriam os manifestantes a aceitarem os desígnios do destino e que o apoio da população em geral entraria em colapso. Nada disso aconteceu.

Sem sombra de dúvida Macron não quer satisfazer as principais demandas dos manifestantes, ele não renunciará e ele se recusa a aceitar o referendo de iniciativa dos cidadãos. Aparentemente Macron chegou à conclusão que se ele dissolver a assembleia nacional e convocar eleições legislativas para acabar com a crise, a exemplo do presidente Charles de Gaulle que com o intuito de pôr fim a um levante em maio de 1968, conforme permitido pela constituição francesa, irá sofrer uma derrota monumental. Ele percebe que a esmagadora maioria do povo francês o rejeita, então, ao que tudo indica, ele resolveu achar uma saída:

Macron defende um "grande debate nacional" para resolver os problemas enfrentados pelo país. Logo ficou claro, no entanto, que o "grande debate" não seria aquele convencional, na melhor das hipóteses.

Macron escreveu uma carta a todos os cidadãos franceses convidando-os a "participar", contudo deixou claro que o "debate" não mudaria nada, que o governo continuaria exatamente na mesma direção ("eu não esqueci que fui eleito em cima de um projeto, em cima de grandes orientações às quais permaneço fiel") e, que tudo o que foi feito pelo governo desde junho de 2017 permaneceria inalterado ("não vamos voltar atrás em relação às medidas que tomamos").

Ele então confiou a organização do "debate" e a elaboração das conclusões a dois membros do governo, solicitando que "registros de reclamações" fossem disponibilizados ao público em todas as prefeituras.

Macron então lançou o "debate" se encontrando com prefeitos de inúmeras cidades, mas não em público. Parece que ele estava apreensivo, com receio de ser hostilizado pelo povo caso o encontro fosse com o público presente.

As duas primeiras reuniões tiveram lugar com prefeitos de pequenas cidades (de 2000 a 3000 habitantes), cujos organizadores, escolhidos por Macron, tiveram a anuência dos prefeitos para que o presidente comparecesse. Os organizadores também escolheram a dedo as perguntas que seriam feitas, depois as enviaram a Macron para que ele as respondesse na reunião.

No dia que antecedia cada encontro, a cidade escolhida era colocada sob a administração de uma legião de policiais. Todos os acessos à cidade eram bloqueados e qualquer um usando colete amarelo ou tendo um colete amarelo em seu carro era multado. Todas as manifestações eram categoricamente proibidas na cidade. A polícia se certificava de que a estrada usada pelo comboio de Macron para chegar à cidade estivesse vazia, nenhum ser humano poderia estar ao longo dela horas antes do comboio chegar.

Canais de TV de notícias foram solicitados a transmitir as reuniões na íntegra, que duravam de seis a sete horas. Somente um número bem reduzido de jornalistas, também escolhidos a dedo por Macron, teriam permissão de participar.

Vários cronistas enfatizaram que "debate" faz de conta é um absurdo, que confiar a organização do "debate" e a elaboração de suas conclusões aos membros do governo e a maneira como as reuniões foram organizadas, mostram claramente que essas performances são uma marmelada.

Alguns observadores apontaram que o termo "registros de reclamações" não tem sido usado desde a época da monarquia absoluta, que os prefeitos estão sendo tratados como bonecos de cera e que a colocação das cidades que Macron visitaria sob estado de sítio é deplorável em uma democracia.

O economista francês, Nicolas Lecaussin, criado na Romênia, escreveu que esses encontros o lembram daqueles anos na Romênia na época do comunismo.

O autor Éric Zemmour disse que Macron está desesperadamente tentando salvar sua presidência, mas que será em vão:

"Macron perdeu completamente a legitimidade. Sua presidência está acabada... Durante três meses o país parou economicamente e Emmanuel Macron, no intuito de salvar sua presidência, impõe ao país mais dois meses de estagnação econômica implicando em mais manifestações. Quando as pessoas perceberem que caíram no conto do vigário, o rancor pode aumentar... A França já está mal das pernas."

Na realidade a situação da economia francesa é esclerótica. O Índice de Liberdade Econômica criado pela Heritage Foundation e pelo Wall Street Journal classificam a França na 71º posição no ranking mundial (35º lugar entre os 44 países da região da Europa) e observa que "os gastos do governo correspondem a mais da metade do total da produção interna". O Índice também revela que "o orçamento é cronicamente deficitário", que "a corrupção continua sendo um problema" e que "o mercado de trabalho está sobrecarregado com regulamentações rígidas", gerando um elevado nível de desemprego.

A França perdeu quase todas as fábricas (empregos na industria representam apenas 9,6% do total de empregos). A agricultura está em ruínas, apesar dos enormes subsídios europeus: 30% dos agricultores franceses ganham menos de 350 euros (US$400) por mês e dezenas cometem suicídio a cada ano. No setor high-tech, a França, no fundo, está à margem.

A fuga de cérebros já começou e não dá mostras que irá parar.

Paralelamente, a cada ano, 200 mil imigrantes da África e do mundo árabe, muitas vezes sem qualificações, chegam ao país. A maioria é muçulmana e tem contribuído para a islamização da França.

Quando um apresentador de programa de entrevistas recentemente perguntou a Zemmour porque Macron não coloca acima os reais interesses do país, o autor respondeu:

"Macron é um tecnocrata. Ele acha que está sempre certo. Ele foi programado para fazer o que está fazendo. Para ele, a França e o povo francês não contam. Ele está a serviço da tecnocracia. Ele fará exatamente o que se espera da tecnocracia e da camada mais alta da população, totalmente desconectada do grosso do restante do país... Aqueles que têm interesse em entender devem ler Christophe Guilluy".

Guilluy, o geógrafo, publicou dois livros: La France périphérique ("A França Periférica") em 2014 e, antes do início da revolta, No society La fin de la classe moyenne occidentale ("Nenhuma Sociedade. O Fim da Classe Média Ocidental"). Neles, ele explica que a população francesa de hoje encontra-se dividida em três grupos. O primeiro grupo é a classe alta dominante totalmente integrada à globalização, composta por tecnocratas, políticos, altos funcionários públicos, executivos de empresas multinacionais e jornalistas que trabalham para a grande mídia. Os que fazem parte dessa classe residem em Paris e nas principais cidades da França.

O segundo grupo vive nos subúrbios das principais cidades e em zonas proibidas ("Zones Urbaines Sensibles"). Esse grupo é formado em sua maioria de imigrantes. A classe alta francesa, que governa, recruta pessoas para servi-la direta ou indiretamente. São mal pagas, mas altamente subsidiadas pelo governo e vivem cada vez mais de acordo com suas próprias culturas e valores.

O terceiro grupo, extremamente grande: é o restante da população. É esse grupo que é chamado de "França periférica". Seus integrantes são formados por funcionários públicos de baixo escalão, operários e ex-operários, funcionários em geral, artesãos, pequenos empresários, lojistas, agricultores e desempregados.

Para a classe dominante, eles são inúteis. A classe alta dominante os considera um peso morto lamentável e não espera nada deles, exceto silêncio e submissão.

Os integrantes da "França periférica" foram expulsos dos subúrbios pelo influxo de imigrantes e o surgimento de zonas proibidas. Esses "periféricos", na maioria dos casos, vivem a 30 quilômetros ou mais das grandes cidades. Eles veem que a classe alta os trata com desprezo. Eles geralmente têm dificuldade em fechar as contas. Eles pagam impostos, mas veem que uma parcela cada vez maior desses impostos está sendo usada para subsidiar aqueles que os expulsaram de suas casas suburbanas. Quando Macron baixou os impostos dos mais ricos e aumentou os impostos dos "periféricos" com o imposto sobre os combustíveis, foi a gota d'água, isso sem falar da sua atitude arrogante e paternalista.

Em uma recente entrevista concedida à revista britânica online Spiked, Guilluy ressaltou que o movimento "coletes amarelos" é um despertar desesperado da "França periférica". Ele previu que apesar dos esforços de Macron de afastar o problema, o despertar durará e que, ou Macron "reconhecerá a existência dessas pessoas ou terá que optar por um totalitarismo leniente".

Por enquanto, ao que tudo indica, Macron sequer quer reconhecer que essas pessoas existem.

Segundo François Martin, jornalista do periódico mensal Causeur, Macron se colocou diante de um impasse:

"Ele tem que tomar decisões e não tem mais condições de tomar nenhuma decisão sem piorar as coisas... Macron deveria concordar em renunciar, mas não irá renunciar, preferirá ir até o fim e se espatifar contra a parede... Os próximos três anos serão o inferno para os coletes amarelos e para os franceses em geral".

No final dos protestos do dia 26 de janeiro em Paris, milhares de "coletes amarelos" haviam planejado se reunir pacificamente em uma das principais praças da cidade, a Place de la République, para um "debate" e também para responder ao "debate" organizado por Macron. A polícia recebeu ordens de dispersar os manifestantes com violência, mais uma vez usaram pistolas de bala de borracha e bombas de efeito moral somente para dispersar a multidão.

Um dos líderes do movimento "coletes amarelos", Jerome Rodrigues, foi baleado no rosto enquanto filmava policiais em uma praça próxima, a Place de la Bastille. Ele perdeu um olho e ficou hospitalizado por vários dias. Outros manifestantes também ficaram feridos.

Na primavera de 2016, os esquerdistas haviam organizado debates nos mesmos locais e foram autorizados a permanecerem lá por três meses sem intervenção policial.

Em um artigo que descreve os acontecimentos de 26 de janeiro, o colunista Ivan Rioufol escreveu no Le Figaro: "a repressão parece ser o único argumento da casta no poder, que se depara com um protesto de grandes proporções que não esmorecerá".

A razão dos eventos de hoje serem especialmente grotescos segundo Xavier Lemoine, prefeito de Montfermeil, cidade nos subúrbios da região leste de Paris, onde o vandalismo de 2005 foi particularmente destrutivo é a seguinte:

"Em 2005, os policiais eram indubitavelmente o alvo dos vândalos, esses policiais agiram com moderação quanto ao uso da força para acalmar os ânimos. Hoje, a maioria dos manifestantes não ataca os policiais. No entanto, em vez de agir para acalmar os ânimos, a polícia recebe ordens forçando a barra para que os policiais ajam com muita violência. Eu não culpo a polícia. Eu culpo aqueles que dão as ordens".

No dia seguinte, domingo, 27 de janeiro, uma manifestação foi organizada pelos apoiadores de Macron, que se autodenominaram de "lenços vermelhos". A demonstração tinha como propósito mostrar que um número impressionante de pessoas ainda estava do lado de Macron. Os organizadores disseram que apareceram 10 mil pessoas. Os vídeos, no entanto, mostram que o número parece ter sido muito menor.
Dr. Guy Millière, professor da Universidade de Paris, é autor de 27 livros sobre a França e a Europa.
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