Expresso, 16 de março de 2017.
Por Joana Azevedo Viana.
Chefe da diplomacia do Governo Erdogan diz que não existem diferenças entre políticos liberais como o primeiro-ministro holandês e o líder “fascista” da extrema-direita
Apesar de o Partido da Liberdade (PVV, "extrema-direita") ter sido ultrapassado pelos "conservadores" liberais (VVD) nas legislativas holandesas, “as guerras santas vão começar em breve” na Europa, avisou esta quinta-feira o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, recusando-se a dar os parabéns ao primeiro-ministro Mark Rutte e ao seu Partido para a Liberdade e a Democracia pela vitória eleitoral. “Agora que as eleições acabaram na Holanda, quando olhamos para os muitos partidos não vemos qualquer diferença entre os social-democratas e o fascista [Geert] Wilders”, declarou Mevlut Cavusoglu citado pelo jornal turco “Hurriyet”. “Têm todos a mesma mentalidade. Onde é que vamos parar? Para onde é que estão a levar a Europa? Começaram a ditar o colapso da Europa. Estão a arrastar a Europa para o abismo. As guerras santas vão começar em breve na Europa.”
Depois de várias semanas a liderar as sondagens de intenção de voto, Wilders tentou capitalizar da querela diplomática em curso entre as autoridades holandesas e o Governo turco de Recep Tayyip Erdogan — que estalou depois de Cavusoglu e a ministra para os Assuntos Familiares terem sido impedidos de viajar até Roterdão para participar num comício político com a comunidade turca em antevisão do referendo constitucional marcado para 16 de abril. Antes de esse e outros comícios do Governo turco terem sido cancelados em cidades da Holanda, da Alemanha, da Áustria e da Suíça, o populista anti-imigração e anti-Islão organizou um pequeno protesto frente à embaixada da Turquia em Amesterdão para declarar que “os turcos não são bem-vindos” na Holanda, durante o qual acusou o Presidente da Turquia de ser um “ditador”.
Apesar da tentativa, Wilders foi ultrapassado pelo VVD de Rutte nas eleições: alcançou 20 assentos no parlamento, contra 33 para o partido do primeiro-ministro, e apesar de ser a segunda força mais votada, o seu movimento não deverá integrar as negociações de coligação que Rutte tem pela frente. Os resultados das legislativas de ontem estão a ser "aplaudidos na Europa" como uma vitória dos “progressistas” contra “o populismo errado” de Wilders, assim definido pelo chefe do governo reconduzido no cargo.
Depois de o avião que transportava Cavusoglu ter sido impedido de aterrar em Roterdão no sábado, Erdogan acusou a Holanda e também a Alemanha de “nazismo” e comprou uma guerra diplomática que já incluiu a suspensão das relações diplomáticas de alto nível com o Estado holandês. Tal como Wilders tentou capitalizar a querela, o Presidente turco também está a extremá-la para tentar angariar votos favoráveis junto dos cerca de 2,8 milhões de turcos que atualmente residem na Europa. Se uma maioria dos cidadãos votar “sim” no referendo constitucional, a Turquia vai passar a ser uma república presidencialista e Erdogan poderá recandidatar-se a mais dois mandatos consecutivos e ficar no poder até 2029, para além de passar a poder nomear os seus ministros sem supervisão parlamentar e a poder dissolver a câmara de deputados.
Ontem de manhã, já depois de as urnas abrirem na Holanda, hackers turcos disseminaram a acusação de “nazismo” por várias contas de Twitter com elevados números de seguidores, entre elas as contas da UNICEF EUA, da Amnistia Internacional, da BBC América do Norte, da Forbes e a conta nipónica do cantor adolescente Justin Bieber, publicando mensagens pró-Erdogan e um link para um vídeo onde o Presidente tece as acusações. “Um estalo otomano para vocês, vemo-nos a 16 de abril”, dizia o tweet repercutido em todas as contas com as hashtags #NaziGermany e #NaziHolland.
Nota do editor do blog: a Turquia está na iminência de tornar-se uma ditadura completa, aos gostos de Erdogan, e para isso, ele usará os meios que forem necessários para alcançar o seu objetivo. A União Europeia firmou um tacanho acordo de refugiados no qual a Turquia reassentaria uma boa parte deles, enquanto a Europa vinha e levava uma remessa, para o seu programa humanitário forçado. No entanto, apesar de ser regado rotineiramente a dinheiro, Erdogan não se deu por satisfeito, e exigiu que a Comissão Europeia processasse o seu pedido de adesão do país, mesmo com ele estando em vias de tornar-se um novo império Otomano repressivo. A União Europeia, pisando em ovos, deu procedimento ao processo de adesão, apesar de saber que isso jamais iria acontecer. No entanto, conforme se aproxima o referendo no país, mais próxima está a ruptura do acordo, no qual para conseguir mais poder Erdogan precisaria jogar fora e abrir as portas dos refugiados.Independentemente se a União Europeia disser “sim” a adesão, ou “não”, pela questão do referendo, é certo que Erdogan ganha em duas instâncias: sem a adesão, nada o impedirá de tornar o país uma ditadura total. Com a adesão, ele além de ter acesso ao mercado europeu, ainda poderia passar o referendo e governar soberanamente sem nenhum problema, enquanto embolsa uma quantidade imensa de dinheiro. No entanto, o certo é que a União Europeia se veja obrigada, ou na possibilidade de ter de desfazer o acordo, e lidar sozinha com uma nova crise migrante agora sem a Turquia. Seja como for, a Europa está no limiar de explodir, e as portas serão abertas.
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