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6 de mai. de 2024

Cientistas Sequenciam o Genoma do Café Arábica, Abrindo Portas para um Café Mais Resistente ao Clima






SCTD, 05/05/2024 



Por Karina Ninni



O trabalho torna possível contar a história da fusão de genomas que deu origem à espécie de café mais consumida do mundo, além de identificar genes responsáveis pela resistência à ferrugem e outras doenças.

O café é uma das commodities mais negociadas do mundo, e o Coffea arabica é o mais consumido das cerca de 130 espécies que existem. Ele é resultado da fusão de duas outras espécies: Coffea canephora (conhecido no Brasil como Conilon ou Café Robusta) e Coffea eugenioides. Na última década, quase todas as principais commodities do mundo tiveram seu genoma de referência sequenciado, mas o café só entrou recentemente na lista.

O genoma de referência é essencial para o desenvolvimento de variedades mais adaptadas às mudanças climáticas e resistentes a doenças. Ao sequenciar o genoma de referência do café Arábica em um esforço sem precedentes, um consórcio de cientistas foi capaz de selecionar genes que podem ser responsáveis (genes candidatos) pela resistência do café à ferrugem e outras doenças. Ao mesmo tempo, eles identificaram a expressão de alguns genes relacionados ao aroma do Arábica.


O estudo poderá orientar o desenvolvimento de variedades mais adaptadas às alterações climáticas. Crédito: Gian Barros


O Poder do Conhecimento Genômico

"Com o conhecimento do genoma, é possível obter informações que nos permitem seguir em duas direções: o desenvolvimento de variedades direcionando o cruzamento, em outras palavras, como referência para nos guiar em futuros cruzamentos que produzam novas variedades; e intervenções mais diretas, como modificar um gene especificamente", resume Douglas Domingues, atualmente pesquisador do Grupo de Genômica Vegetal e Transcriptômica, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), no Brasil, e um dos autores do artigo (desenvolvido quando ele ainda trabalhava no campus de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista).

Segundo ele, houve uma espécie de corrida para sequenciar o genoma. "O preço da sequenciação caiu muito, e o café era uma das poucas commodities que ainda não tinham seu genoma de referência sequenciado. Outros grupos estavam tentando, e um artigo foi publicado pouco antes do nosso. Mas a maioria deles usou a estratégia padrão: escolher uma planta interessante para cultivo e sequenciar seu genoma", relata.

Abordagem Única para Sequenciamento

O grupo ao qual Domingues pertence sequenciou uma planta que não é interessante do ponto de vista agronômico, mas tem muito a oferecer do ponto de vista genético. "A vantagem do nosso genoma de referência é que ele é derivado de um indivíduo 'dihaplóide'. Isso resulta em um genoma de referência homogêneo que será um padrão superior para pesquisas futuras", explica Patrick Descombes, coordenador do trabalho e especialista sênior em genômica no Instituto Nestlé de Segurança Alimentar e Ciências Analíticas. Ele explica que o café Arábica é um tetraploide: ele tem dois genomas em um porque é a fusão de duas outras espécies.

Ao sequenciar um dihaplóide derivado do café Arábica em comparação com uma variedade tetraploide comum, os cientistas obtêm uma visão mais clara e simplificada do genoma. Isso possibilita identificar variações entre genes semelhantes com maior precisão, facilitando o uso de informações moleculares para estudos de melhoramento.

Revelações Históricas Através do DNA

Neste estudo, o grupo conseguiu determinar com mais precisão quando essa fusão ocorreu: há não mais de 600.000 anos, C. canephora e C. eugenioides se fundiram para formar esse híbrido tetraploide, que continuou seu caminho evolutivo. "Chegamos a essa conclusão usando informações de DNA de Arábica, Robusta e Eugenioides: conseguimos fazer uma inferência mais precisa porque anteriormente esse intervalo era datado entre 50.000 e 1 milhão de anos. Reduzimos essa janela para 350.000 a 600.000 anos", relata Domingues.

O artigo, publicado recentemente na Nature Genetics, foi resultado de um consórcio de cientistas de mais de dez países, incluindo o Brasil, que participou com mais de uma instituição. No caso de Domingues, sua participação foi parcialmente financiada pela FAPESP por meio de um projeto de Jovem Pesquisador e uma bolsa de pós-doutorado concedida a Suzana Tiemi Ivamoto-Suzuki, também autora do artigo.

Diversidade Genética no Café Selvagem vs. Cultivado

"Nós usamos a sequência de referência para entender a diversidade que existe nos cafés Arábica selvagens, da região africana de origem, e comparar isso com os cafés Arábica que são cultivados hoje", diz o cientista da ESALQ-USP, explicando que o grupo sequenciou novamente variedades de café Arábica plantadas em diferentes partes do mundo, bem como espécimes selvagens coletados nas florestas da Etiópia, e conseguiram entender a diferença entre os selvagens e os cultivados.

Traçando a História Evolutiva do Arábica

Para obter uma perspectiva genômica sobre a história evolutiva do Arábica, o consórcio sequenciou 46 acessos, incluindo três Robusta, dois Eugenioides e 41 Arábicas. Estes incluíram um espécime-tipo do século XVIII (o espécime físico designado pelo autor do táxon no momento da descrição como o material no qual ele foi baseado), 12 cultivares com diferentes histórias de melhoramento, o híbrido Timor (um cruzamento espontâneo de Arábica com a variedade Robusta C. canephora resistente a pragas) e cinco de seus retrocruzamentos com Arábica e 17 acessos selvagens mais três selvagens/cultivados coletados dos lados leste e oeste do Vale do Rift na Etiópia.

"Nós usamos as últimas tecnologias genômicas, ou seja, leituras longas do sistema PacBio de alta fidelidade [para sequenciamento de genes] e ligação por proximidade com leituras curtas do Illumina [um sistema integrado para análise de variação genética e função biológica], para gerar a montagem cromossômica. Essa combinação resultou em uma montagem cromossômica de qualidade e integridade superiores", diz Descombes.

A Busca pela Resistência a Doenças

De acordo com o professor da ESALQ-USP, entre as espécies cultivadas, algo muito importante para o melhoramento foi a introdução de genes para resistência à ferrugem do café. "Na década de 1930, o Brasil desempenhou um papel importante nesse sentido. E o IAC [Instituto Agronômico de Campinas, também no estado de São Paulo] é um centro pioneiro de estudos e melhoramento. Pesquisadores do IAC nos forneceram plantas que antecedem o programa de melhoramento da instituição, que remonta aos anos 1930. O melhoramento orientado para doenças surgiu entre os anos 1960 e 1970, e o principal trabalho foi cruzar uma planta de Arábica resistente à ferrugem, o chamado híbrido Timor, com plantas cultivadas em vários países para que as novas variedades fossem resistentes. Mas não se sabia quais genes eram responsáveis pela resistência."

Descoberto nos campos da Ilha de Timor na década de 1920, o híbrido Timor é naturalmente resistente à ferrugem e outras doenças. "Além da ferrugem, a doença do grão do café, o broqueador do grão do café e o broqueador do caule do café são três outras grandes pragas que afetam a produção em muitas regiões do mundo. A mudança climática também é uma preocupação importante no controle de pragas e doenças, pois permite que elas se espalhem para novas regiões. O comércio de grãos de café verde entre diferentes regiões é outro fator que pode facilitar a disseminação de certas pragas e doenças para novas áreas", revela Maud Lepelley, gerente do grupo de Genética Vegetal e Química do Instituto Nestlé de Ciências Agrícolas.

No artigo agora publicado, o grupo conseguiu encontrar conjuntos de genes já ligados na literatura à resistência a doenças que estão presentes apenas em variedades pós-melhoramento. "De alguma forma, o híbrido Timor conseguiu obter esses genes de resistência, e agora sabemos quais são. Existem dezenas deles, mas estreitamos a busca. O café Arábica tem 69.000 genes; reduzimos para pouco menos de 30 genes. Ser capaz de identificar esses genes candidatos de resistência, que antes eram desconhecidos, é uma conquista sem precedentes em nossa pesquisa", destaca Domingues.

Mas o trabalho está longe de terminar, já que esses genes ainda precisam ser testados. "Serão necessárias mais pesquisas para identificar e criar variedades resistentes a essas e outras pragas e doenças do café", diz Lepelley.

Usando a genética molecular, o consórcio também conseguiu fazer uma tripla separação, mostrando que a diversidade genética das plantas selvagens da Etiópia difere da do café cultivado hoje, provavelmente devido a um efeito de gargalo e domesticação, já que poucas plantas foram selecionadas para esse processo. "Mostramos aqui que a diversidade genética já era muito baixa entre os espécimes selvagens devido a múltiplos gargalos pré-domesticação, e que os genótipos selecionados para o cultivo pelo homem, tanto as antigas variedades etíopes locais quanto as mais recentes, já estavam um pouco misturados entre linhagens divergentes", afirmam os cientistas.

Expressão Gênica e Aroma do Café

Ao mesmo tempo, o grupo de Domingues conseguiu observar alguns eventos relacionados à expressão de genes ligados à qualidade do café, especialmente ao aroma. Eles estudaram as enzimas terpeno sintase, que nas plantas estão relacionadas à defesa contra insetos, bem como um gene relacionado a compostos lipídicos no café, que codifica a dessaturase de ácidos graxos 2.

"Observamos em uma variedade de Arábica asiática que os genes associados ao aroma e sabor são expressos mais no fruto pelo subgenoma de C. eugenioides do que pelo outro genitor. Em outras palavras, um dos genomas contribui mais para as características sensoriais da bebida do que o outro. Agora estamos nos perguntando: isso se aplica a todas as variedades que sequenciamos, tanto pré-quanto pós-melhoramento?", diz Domingues.

Explorando Interações Genéticas no Café Arábica

"Este estudo lança luz sobre como as interações entre os genes de C. canephora e C. eugenoides estão associadas a características do café Arábica, como aroma. Elucidar as interações entre genes ajuda a melhorar nosso conhecimento dos mecanismos genéticos subjacentes a características importantes do Arábica, um pré-requisito fundamental para desenvolver novas variedades que garantirão a produção de grãos de café para futuros produtos de café", diz Lepelley.

Um spin-off do trabalho já está em andamento, de acordo com Domingues. "Acabei de iniciar outro projeto, que é um desdobramento deste primeiro esforço, em parceria com os pesquisadores franceses que fizeram parte deste consórcio. Agora vamos analisar espécies de café não cultivadas. Queremos conhecer o genoma de espécies de café não contidas no café que contenham características relevantes em um cenário de mudança climática. Estamos nos concentrando em sequenciar espécies mais resistentes ao clima. Queremos saber quais genes elas têm que o café Arábica não tem e que os tornam resistentes ao clima. Eventualmente, poderíamos introduzi-los ou modificá-los por meio da edição de genes para tornar as espécies cultivadas mais resistentes".

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Fonte:https://scitechdaily.com/scientists-sequence-arabica-genome-opening-doors-to-climate-resilient-coffee/ 

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