LDD, 21/02/2024
O Global Center for Human Rights (GCHR) respondeu à juíza Nancy Hernández com exemplos de transferências que condicionam seu trabalho. A organização pede transparência e adverte que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos está em risco.
Na Abertura do Ano Judicial Interamericano, a presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), a juíza costarriquenha Nancy Hernández López, buscou desmentir, com seu discurso de abertura, que a Corte IDH esteja "financiada por interesses particulares para favorecer determinada agenda", ao afirmar que circulam afirmações "sem sustento" e que o tribunal "não recebe contribuições direcionadas a favorecer temas ou países determinados".
Desta forma, a magistrada ecoou o "Balanço do financiamento da CIDH e da Corte Interamericana 2009-2021. Opacidades e influências em um financiamento condicionado", publicado pelo Global Center for Human Rights, uma ONG de direitos humanos sediada em Washington DC. Sebastián Schuff, presidente do GCHR, explica que "lá está documentado que, pelo menos por dois anos, a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID) financiou projetos da Corte cujos títulos definiam temáticas determinadas, impulsionando uma agenda política específica".
Casos de financiamento condicionado
De acordo com a investigação do GCHR, a Corte IDH elabora em média onze sentenças e menos de uma opinião consultiva por ano. Neste contexto, a atenção às temáticas indicadas em projetos financiados pela AECID é notoriamente desproporcional.
Em 2016, a agência espanhola forneceu fundos para o projeto de "Proteção de vítimas e pessoas pertencentes a grupos vulneráveis através de medidas provisórias, e resolução de casos contenciosos sobre alegada discriminação por orientação sexual e garantias do devido processo", e nesse mesmo ano a Corte IDH se dedicou em duas ocasiões à resolução de casos contenciosos sobre "discriminação por orientação sexual", alinhando-se assim à temática do projeto financiado. Neste ano, a Corte IDH "alegou o descumprimento de obrigações inexistentes nos tratados sobre a chamada 'orientação sexual e identidade de gênero', ao condenar a Colômbia no Caso Duque", e o Equador no Caso Flor Freire.
Outro caso de financiamento condicionado da Corte pela AECID, novamente, aparece no relatório financeiro de 2018, em um acordo de USD 313.350 para a "Manutenção das capacidades da Corte IDH para resolver casos e opiniões consultivas que contribuam para a proteção de grupos vulneráveis, através da emissão de padrões sobre meio ambiente, direitos dos povos indígenas, deveres de proteção especial das meninas e meninos, asilo, violência sexual e não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, e para divulgar audiências de casos e opiniões consultivas". Consequentemente, durante esse período foram elaboradas três opiniões consultivas sobre meio ambiente, não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e asilo.
"Embora chame a atenção que a Corte tenha emitido três opiniões consultivas em seis meses, o que realmente preocupa é que essas opiniões respondam explicitamente, mais uma vez, aos requisitos determinados no projeto financiado pela AECID", explicou Sebastián Schuff. "Isso demonstra, ao contrário do que afirma a presidente do tribunal regional, que há um suporte comprovado para dizer que a Corte IDH recebe contribuições direcionadas a favorecer determinados temas", sentenciou o advogado.
A partir das declarações feitas pela juíza costarriquenha, dados referentes ao financiamento foram disponibilizados no site da Corte IDH, como anunciado, mas não detalham os montantes, títulos ou doadores de cada projeto específico.
"É mais preocupante ainda que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão essencial do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) por ser o responsável por selecionar os casos a serem tratados e cuja transparência é ainda mais opaca do que a da Corte, esteja sendo parcialmente financiada por países extracontinentais, empresas privadas e ONGs transnacionais, como a Fundação Ford ou a Open Society Foundation."
Conflitos de interesse e insegurança regional
A pesquisa realizada pela ONG de direitos humanos alerta sobre a gravidade que poderiam acarretar os potenciais conflitos de interesse, já que algumas organizações internacionais que apoiam a Corte IDH ou a CIDH também financiam as partes requerentes de casos de litígio estratégico no sistema.
Um exemplo dessa irregularidade é a contribuição regular que a Fundação Ford fez em favor da Comissão, enquanto financia a Agrupação Cidadã para a Despenalização do Aborto Terapêutico, Ético e Eugênico, que foi uma das organizações requerentes no caso "Manuela vs. El Salvador" (segundo reconhecido por duas das organizações que representam a parte requerente). O conflito de interesse se evidencia novamente no caso "Beatriz vs. El Salvador", que tem como parte requerente a mesma agrupação.
Algo similar parece acontecer com a Fundação Heinrich Böll, do partido político alemão Os Verdes, que promove uma agenda socialista, ecológica e de gênero, e que desde 2017 financia projetos da Corte e apoia aquela mesma agrupação requerente.
"O problema é enorme, porque o fato de uma mesma entidade financiar o juiz e o requerente afeta gravemente a independência e imparcialidade necessárias desses órgãos", alertou Schuff. "O que é inaceitável em qualquer país, é um fato comum na Corte IDH e em seus órgãos associados", acrescentou.
Em relação ao Caso Beatriz, Schuff afirma que "ali se joga a credibilidade de todo o Sistema Interamericano de Direitos Humanos". GCHR e outras entidades alertam que o Pacto de San José, na Costa Rica, é o fundamento da existência da Corte IDH, e este mesmo tratado consagra em seu artigo 4° o direito à vida "desde o momento da concepção". Neste caso, a Corte IDH deve decidir se as autoridades de El Salvador agiram corretamente ao buscar o cuidado das duas vidas, da mãe e de sua filha, e evitar assim que se submetesse a um aborto uma mãe com a desculpa de terminar com a vida de sua filha, que sofria de uma má-formação.
El Salvador é obrigado a respeitar tanto o Pacto, que reconhece como pessoas com direitos iguais a Beatriz e sua filha Leilani, quanto a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que impediria discriminar a pequena Leilani por sua grave deficiência.
"O caso deveria ter sido declarado inadmissível por contradizer esses tratados", afirmou Schuff, em linha com o relatório de fundo do comissário Edgar Orellana, advertindo que "uma sentença que contradiga explicitamente a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos provocaria, sem dúvida, uma implosão de todo o Sistema Interamericano de Direitos. E colocaria todos os Estados membros em uma situação de insegurança jurídica insustentável."
Por tudo isso, o advogado sustenta que "é necessário reformular as normas do SIDH para que não haja mais financiamento condicionado. Mas também é necessário esclarecer como funciona a Corte, porque se ela se tornar um tribunal supranacional sem nenhum limite ou controle, será uma ameaça para a democracia e a soberania de todo o continente".
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