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1 de abr. de 2024

A religião democrática e a classe política: o caso de Martín Vizcarra





PP, 01/04/2024 



Por Jeffrei Kihien 



Entre os processos judiciais de políticos corruptos, o ex-presidente Martín Vizcarra não é medido com o mesmo critério que outros, aos quais foram aplicadas prisões preventivas sem motivo algum.

Escrevo estas linhas na Quinta-feira Santa, dia em que se celebra a Última Ceia e se lembra a traição, quando Judas vendeu Jesus Cristo por 30 moedas, delatando-o com um beijo na gruta de Getsemani. O beijo de Judas fica marcado para a eternidade como referência da traição. Judas Iscariotes, angustiado pela traição, devolve o dinheiro aos sacerdotes, que o utilizam para comprar terras para um cemitério. Chamam-no de "campo de sangue" porque foi comprado com dinheiro manchado de sangue, dinheiro corrupto. Judas, consumido pelo remorso, se enforca.

Em tempos pós-modernos e de religião democrática, nos exigem jurar defendê-la por ser infalível, na realidade exigem proteger a traição. Os políticos, essa classe superior aos demais mortais, são frequentemente os Judas modernos que traem seus eleitores, mas sem o mínimo remorso, nenhum sentimento de culpa os acompanha. Na sociedade secular atual, onde a liberdade é a norma, o remorso entre a classe política não existe ou é extremamente escasso. O que me leva a tomar como exemplo um político peruano, que conseguiu enganar milhões apesar de ter uma história de traição política documentada, a democracia e seus valores não conseguem deter sua maldade.

Martín Vizcarra Cornejo assumiu a Presidência do Peru após a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski (PPK), do qual era seu segundo vice-presidente, em 23 de março de 2018. PPK renunciou devido a sua comprovada relação laboral com a empresa Odebrecht, cujos diretores confessaram o pagamento de subornos praticamente a todos os políticos do Peru. Vizcarra foi procurador da Odebrecht na obra Carretera Transoceánica. As primeiras denúncias oficiais contra Vizcarra foram feitas pelo Congresso da República do Peru em 2003, por meio de uma comissão formada para investigar possíveis casos de corrupção no governo de Alberto Fujimori entre 1990-2000. A investigação encontrou responsabilidade criminal contra Vizcarra, o mesmo que armou uma licitação para adjudicar a obra do canal de Jachacuesta do projeto Pasto Grande, sem ter realizado estudo técnico algum. Para a aprovação desta licitação, a qual foi ganha pela empresa JJCAMET, o pai de Martín Vizcarra Cornejo, César Vizcarra Vargas, Prefeito de Moquegua durante o primeiro governo de Alan García (1985-1990), teve influência preponderante, exigindo dos funcionários de Pasto Grande a aprovação da licitação. O dono da JJCamet naquela época era Jorge Camet, que foi ministro da Economia de Alberto Fujimori por mais de cinco anos. A empresa JJCamet está sendo investigada desde 2016 por fazer parte da suposta máfia do "clube da construção", que obtinha obras públicas subornando políticos e funcionários do Estado, e por estar envolvida com a Odebrecht. Fernando Camet Piconne, filho de Jorge Camet ex-ministro de Fujimori, foi detido na Espanha em maio de 2023 e está aguardando extradição para o Peru, onde o espera prisão preventiva. A pergunta é: Por que PPK convidou Martín Vizcarra para formar chapa presidencial, se sabiam sobre a investigação do Congresso? A resposta é outra evidência sobre a religião democrática e sua fraqueza diante da classe política que a mantém e se beneficia dela.

O ex-presidente Vizcarra e seu suposto modelo de crime têm um padrão que não mudou, conforme descobriu a investigação do Congresso do Peru de 2003, solicitam subornos em troca de adjudicação de obras públicas. No projeto do Túnel de Jachacuesta, justificou-se a licitação da obra com um estudo técnico da empresa ATA, cujo proprietário é o engenheiro e colega de universidade de Vizcarra, José Manuel Hernández, que foi ministro da Agricultura de PPK (2016-2018). Esse suposto estudo, incompleto ou deficiente, fez com que a obra, cujo orçamento inicial era de US$ 17 milhões, terminasse custando US$ 64 milhões em 1989. Tudo suspeito. No interrogatório perante a comissão investigadora do Congresso, Martín Vizcarra Cornejo incorreu em contradições entre o que respondeu e os documentos apresentados, cometendo o crime de falsidade ideológica. Vizcarra é mentiroso. Outro padrão de comportamento é continuar trabalhando com as mesmas pessoas. José Manuel Hernández e sua empresa ATA foram também supervisores da obra do projeto Pasto Grande "Lomas de Ilo", iniciada quando Vizcarra era governador regional de Moquegua (2011-2014), cuja proposta e execução do projeto é uma fraude, pois se gastará mais dinheiro em energia elétrica para bombear a água da fonte para um canal, do que os benefícios da produção agrícola, e o projeto está muito mal executado, outra fraude, quase oito anos se passaram desde que a obra foi inaugurada, e não funciona. Instalaram tubos de fibra de vidro para levar água de 1400 metros acima do nível do mar a 20 metros acima do nível do mar, a força da inclinação da água faz com que os tubos estourem. Era de se esperar.

José Manuel Hernández, a quem Vizcarra negou como amigo, é agora colaborador eficaz contra Vizcarra em um processo de suborno precisamente pela obra Lomas de Ilo e Hospital de Moquegua. Hernández declarou que ele pediu o suborno em nome de seu amigo Vizcarra, oficiou como cobrador e o levou para recolher o dinheiro com sangue, o sangue do pobre povo peruano que paga altos impostos. A democracia não conseguiu deter o crime de ambos quando foram descobertos pelo Congresso em 2003, pelo contrário, um foi premiado como ministro e o outro foi presidente da República do Peru. Os Judas modernos não têm remorso, não devolvem as 30 moedas, sempre querem mais.

Vizcarra, descoberto e denunciado publicamente por sua gestão em Pasto Grande na década passada, continuou com seu comportamento imoral, usando o mesmo esquema, trabalhando com sua gente de confiança e comprometendo-os em uma organização criminosa. Como ministro dos Transportes de PPK em 2016, ele levou seus capangas de Moquegua a trabalhar com ele nas grandes ligas do Estado peruano, onde as comissões de suborno são calculadas com base em bilhões. A "Banda dos Moqueguanos", como são conhecidos, destruiu o gentílico moqueguano. Nascido na cidade do sul de Moquegua, passou de uma pessoa nobre, educada e moralmente confiável, a ser considerado à imagem e semelhança de Vizcarra; mentiroso, oportunista, adúltero, bufão, imoral.

Não sou entusiasta das prisões preventivas, porque se tornaram uma ferramenta para perseguir judicialmente os inimigos dos políticos que detêm o poder no momento. Também porque elimina o princípio jurídico, o dogma, da presunção de inocência, e quem sofre as consequências são os cidadãos comuns, aqueles que apenas desejam trabalhar e viver em paz sem que o Estado, que são os políticos, os incomode demais. No entanto, entre os processos judiciais de políticos corruptos, ao ex-presidente Martín Vizcarra não é medido com o mesmo critério que outros, aos quais foram aplicadas prisões preventivas sem motivo algum.

O artigo 268 do Novo Código de Processo Penal Peruano, estipula os motivos e circunstâncias pelas quais deveria ser solicitada e aprovada a prisão preventiva contra um cidadão. Existem elementos de convicção da culpabilidade de Vizcarra no processo Hospital de Moquegua e Lomas de Ilo. Os testemunhos são dos que pagaram o suborno, os mesmos proprietários das empresas corruptoras. Também o amigo negado, dono da ATA, José Manuel Hernández, delatou Vizcarra, todos forneceram testemunhas que corroboram suas afirmações e abundantes provas. A pena solicitada é de 15 anos de prisão pelo crime de corrupção passiva. O art. 268 (b) estipula que é cabível a prisão preventiva quando a pena é superior a cinco anos e, o mais importante, 268 (c); perigo de obstrução e perigo de fuga.

São de conhecimento público as conversas telefônicas interceptadas pela Procuradoria, entre dois colaboradores muito próximos de Martín Vizcarra Cornejo; Hugo Misad Trabuco (o Turco), ex-funcionário da Provias, supostamente colocado lá por Vizcarra para supervisionar o dinheiro dos subornos solicitados, e o suboficial da Polícia Nacional do Peru, Manuel Zambrano. Nessas conversas telefônicas interceptadas entre 11 e 13 de janeiro de 2014, o policial Zambrano pede a Misad para comprar 400 ou 500 lagartos (boneco de pano com o qual se identifica Vizcarra) para distribuir entre os leais a Vizcarra, mostrando o tamanho da organização criminosa. O policial Zambrano também informa a Misad sobre a presença de policiais de inteligência que vieram de Lima para vigiar o ex-presidente, cometendo indiscrição. Em seguida, coordena com o mesmo Misad, que responde que perguntará a Vizcarra o que o policial Zambrano deveria escrever em seu relatório para o Poder Judiciário, já que Vizcarra está em processo e precisa solicitar permissão ao juiz para sair de Lima, observando regras de conduta. Essa conversa seria suficiente para condenar Misad e Zambrano por tráfico de influência, mas até o momento não aconteceu absolutamente nada. Isso é um indício de que os tentáculos da organização criminosa de Vizcarra têm contatos dentro da PNP com policiais corruptos, que facilitariam sua fuga, obstruiriam qualquer investigação contra ele, escondendo provas ou intimidando detratores. Motivo suficiente para detê-lo preventivamente.

A isso se soma o escândalo recente. Cesar Figueredo Muñoz, ex-candidato ao Congresso por Lima em um dos partidos políticos de Vizcarra, Somos Perú, o outro é o novo partido, Perú Primero, onde Figueredo é secretário-geral. De acordo com as acusações e declarações públicas de uma testemunha próxima a Figueredo, com quem teria tido um relacionamento sentimental em troca de trabalho no Estado, este solicitou um vídeo ou gravação à testemunha, com o qual teria extorquido o ex-primeiro-ministro do Peru, Alberto Otarola, solicitando-lhe que o nomeasse diretor dos Registros Públicos em nível nacional. Ao não concordar, Otárola, essa gravação vazou alterada para a imprensa, ocasionando a renúncia do ministro. A imprensa suspeitosamente nunca investigou a veracidade e autenticidade da gravação. Vizcarra pode derrubar ministros, promotores, ser entrevistado na imprensa nacional, organizar partidos políticos e movimentos regionais, e agora sua mão aparece na tentativa de vacância da presidente Dina Boluarte. Não tem remorso algum. Deve ter uma imensa fortuna, dinheiro com sangue do povo peruano, que morria devido ao confinamento selvagem decretado por Martín Vizcarra e seus capangas sob a desculpa da pandemia, enquanto eles esfregavam as mãos com as compras estatais a dedo. Temo a democracia, como escolheu a liberdade de Barrabás, escolherá agora a liberdade do bufão Vizcarra, esse é o fim de seus partidos políticos.

O povo peruano constantemente se pergunta: Por que Martín Vizcarra continua livre se obstrui a justiça? Esta é a democracia, em contraste com a presidente do Peru, Dina Boluarte, cuja casa foi invadida em menos de três semanas, com Vizcarra levaram quatro anos e, como mostrado na imprensa, mais parecia uma comédia burlona, teatro negro, porque Vizcarra disse que ele solicitou a invasão, e mostrou o escrito, zombando do promotor, do juiz e de todo o Peru.

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Fonte:https://panampost.com/jeffrey-kihien/2024/04/01/religion-democratica-clase-politica-caso-martin-vizcarra/ 

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