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27 de mar. de 2016

O ministro eurocético que abriu uma guerra nos conservadores britânicos

                                                          Ex-ministro do Trabalho britânico, Ian Duncan Smith 




DN,  27/03/2016




Ian Duncan Smith usou certas reduções de prestações sociais como pretexto para deixar o governo de David Cameron e indicou que fará campanha contra permanência na UE

"Há algum tempo, ainda que de forma relutante, cheguei à conclusão de que as mais recentes mudanças nas prestações sociais para os deficientes e o quadro em que foram feitas constituem um compromisso excessivo. Ainda que sejam defensáveis em termos estritos, devido à permanência do défice, não são defensáveis na forma como surgem num Orçamento que beneficia os contribuintes com mais elevados rendimentos." A longa citação é da carta em que o Ian Duncan Smith, ministro do Trabalho no governo de David Cameron, apresentou a demissão em desacordo, como resulta claro do texto, com os cortes nas reformas por invalidez previstas no Orçamento.

Na carta, o ministro demissionário escreve ainda que "aquelas mudanças deviam ter sido feitas no âmbito de um processo mais vasto de forma a canalizar recursos para os mais necessitados".

No governo desde 2010, ainda no quadro da coligação conservadores-liberais-democratas, Ian Duncan Smith, de 61 anos, recorda ainda na carta que "o progresso e a consolidação social foram a razão fundamental para integrar a equipa ministerial" liderada por Cameron, mas não sendo possível prosseguir as "mudanças que irão contribuir para melhorar a qualidade de vida dos mais desfavorecidos neste país e aumentar as suas oportunidades, não encontra outro caminho que não seja a saída do governo.

O que está plenamente de acordo com aquele que é conhecido pelas iniciais IDS e se tem empenhado há mais de uma década em questões sociais e no combate à pobreza. O ministro demissionário fundou em 2004 o Centro para a Justiça Social com o intuito de estudar e desenvolver novas formas de reduzir as desigualdades sociais.

Após a demissão de IDS no final da passada semana, o governo recuou nas medidas, que implicavam uma poupança de quatro mil milhões de libras (cinco mil milhões de euros), tendo anunciado a suspensão e substituição por outras a serem conhecidas no outono.

Mas há um outro fator - importante - a considerar na demissão daquele que foi, ele próprio, líder do partido conservador entre setembro de 2001 e outubro de 2003. É que IDS é um convicto eurocético. Por este aspeto, nos media britânicos surgiu alguma especulação de que o anúncio da demissão se destinava a prejudicar o primeiro-ministro que faz campanha pela permanência do Reino Unido na União Europeia (UE), enfrentando oposição significativa no interior do partido.

Campanha contra a UE

IDS desmente aquela interpretação, explicando tratar-se "de uma tentativa deliberada" para o desacreditar, mas admitiu que votaria contra a permanência na UE e que fará campanha nesse sentido. O que é certo é que nas sondagens mais recentes, o campo do sim à permanência está em recuo.

IDS, recuperando o estilo que o caracterizou nos tempos em que protagonizou a guerrilha interna contra John Major, sucessor de Margaret Thatcher e europeísta convicto, criticou Cameron e o ministro das Finanças George Osborne, acusando-os de terem traído o programa dos conservadores.

O antigo líder dos tories reservou as palavras mais duras para Osborne (dado como candidato à liderança do partido quando terminar o mandato de Cameron em 2020), afirmando que este detém demasiado poder no governo, definiu limites "arbitrários" para a Segurança Social e, martelando a nota social, considerou injusto as pessoas de mais baixos rendimentos serem alvo de cortes orçamentais ao mesmo tempo que não se mexia no rendimento mais elevado dos reformados.

Declarações que produziram o efeito desejado por IDS - o partido envolveu-se numa controvérsia, com membros do governo, deputados e dirigentes, uns a tomarem partido pelo ex-ministro, outros a atacarem-no.

O que evidencia até que ponto os tories estão divididos, e não somente na questão europeia.

A propósito da controvérsia, a BBC classificou-a como uma "guerra civil" no partido. Fontes dos conservadores, obviamente sob anonimato, disseram que pode estar para breve o "genocídio dos cameronistas e dos osbornistas", referência a um possível desafio ao líder e seu alegado candidato a sucessor, que criaria novos equilíbrios no partido.

"Isolado"

No rescaldo da controvérsia, IDS teimou em que o objetivo não fora lançar "um ataque ao primeiro-ministro nem tem nada que ver com a Europa". A finalidade das suas palavras era chamar a atenção a um governo "demasiado concentrado apenas em reduzir o défice" e que se demitira por se sentir "isolado".

IDS, que pertenceu ao número de líderes a quem coube a ingrata tarefa de chefiar o partido nos longos anos de travessia do deserto quando Tony Blair reinventou os trabalhistas como "New Labour" e permaneceu no n.º 10 de Downing Street entre 1997 e 2007, é autor de vários livros, entre os quais um romance, The Devil"s Tune, escrito logo depois de deixar a liderança dos tories.

Primeiro católico praticante a liderar os conservadores, é casado com Elizabeth Fremantle desde 1982. O casal tem quatro filhos.


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