28 de mai. de 2022

Henry Kissinger e as más novas da guerra na Ucrânia

Kissinger e Nixon


Henry Kissinger recentemente apareceu publicamente para falar sobre a Guerra na Ucrânia, e como de costume, fazer uso de sua autoridade em política externa para deixar um belo sermão do que fazer a seguir. Na sua fala, durante o Fórum Econômico Mundial, ele mencionou o fato da Rússia ter uma importância histórica, e que o Ocidente deveria fazer um esforço para salvar a Rússia. Além disso, sugeriu que a Ucrânia negociasse os territórios da Crimeia, Donbas e Luhansk. Kissinger é um conhecedor da política externa, e foi um grande protagonista dela nos anos 60-70.

O ex-secretário de estado foi responsável pela ascensão da China como polo industrial, e também pelo vexame americano no Vietnã, bem como a ascensão do Comunismo na Ásia. Vexame esse, aliás, que só veríamos replicado no Afeganistão em 2021 pelo ex-vice de Obama, Joe Biden. Dessa vez nem precisaram de um secretário de estado para fazer este grande ato de vergonha nacional, o próprio Biden o executou com primazia junto de seus subordinados incompetentes. Kissinger ajudou a moldar a política do século 21 de uma forma abominável. Isso faz dele um ator importante para se estudar, e quaisquer palavras suas não podem ser avaliadas de maneira leviana, muito menos ignoradas. Além de um conhecedor de política externa, nós devemos considerar acima de tudo seu conhecimento de história, e dos bastidores dela.

Infelizmente, muitos analistas independentes fazem exatamente isso (análises levianas), e acabam seguindo a grande mídia em não informar sobre absolutamente nada, a não ser achismos, ou questões rasas. Alguns analistas consideraram as falas de Kissinger meramente petulantes e inoportunas, mas elas são muito mais que isso: Kissinger não foi só um secretário de estado munido de poder, e que se aproveitou dele para ganho pessoal, ele foi um ator político consciente, com um amplo conhecimento de história, mas não a história como conhecemos – "oficial" – aquela autorizada, mas de bastidores. Ele não chegou aos corredores do poder em Washington DC por ter sido escolhido por engano, ele chegou até lá, porque sua trajetória política o levará até ali, pois ele foi preparado.

Quando Kissinger menciona a “importância histórica da Rússia”, ele não se refere a contribuição cultural da Rússia em matéria de escritores, artistas plásticos ou poetas – Kissinger está reconhecendo a Rússia como um ator importante para moldar o cenário da política global atual. Para Kissinger, tanto China quanto Rússia desempenham um papel no atual contexto, pois eles são fatores de desequilíbrio. Kissinger revitalizou a China Comunista, ele a tornou um polo industrial global, o que permitiu que ela se tornasse um receptor do polo tecnológico ocidental. A atual ditadura chinesa é uma tecnocracia digital brutal, com a qual Stalin jamais poderia ter sonhado. A China é a ditadura perfeita, uma mistura de 1984 de Orwell com o Admirável Mundo Novo de Huxley. 

A Rússia soviética foi um ator importante para moldar o cenário geopolítico e geoestratégico no século 20, pois sem a União Soviética, não haveria uma ameaça que tornasse o mundo cada vez mais unipolar. Cada vez mais as questões dos países se tornam questões globais, e cada palmo de terra no planeta se torna um âmbito de interesse internacional. O maior erro dos analistas políticos, inclusive da direita, é não enxergar no atual cenário de guerra um desdobramento de acontecimentos anteriores, e uni-los a outros desdobramentos ao redor do mundo, onde os mesmos atores estão em franca disputa. Sem a União Soviética, não haveria OTAN, e sem OTAN, não haveria a necessidade de uma União Europeia; um sistema de defesa transatlântico e um “bloco econômico” continental. A Europa se tornaria um mini-estado mundial, outro membro de um corpo em formação, com a ONU sendo o seu coração. 

As revoluções do século 20 não ocorreram por um acaso, elas não foram obra do destino, pois todas elas levaram a mudanças significativas na governança global. Cada vez mais agendas internacionais são incorporadas nas legislações nacionais, e isso nos torna coparticipantes dos eventos ao redor do mundo, quer queiramos ou não. Observar pessoas como Kissinger falar deve ser um exercício de avaliar o quão ampla é sua visão histórica, e o que ele realmente quis dizer, e não somente o que disse, de forma genérica e literal. Para ele, a Ucrânia é um campo de batalha dialético entre duas forças antidemocráticas, e ele espera que os atores continuem em seus papéis, ou improvisem. Quaisquer que forem os cenários, ele enxerga nisso um potencial desastroso, mas esses cenários trarão aquilo que realmente importa: mudanças. A pandemia serviu para que o Ocidente adotasse o sistema de controle de estilo chinês, e o replicasse contra seus cidadãos. A guerra está servindo para que novas alianças sejam formadas, e que novos blocos se fortaleçam, e se tornem mais interdependentes. Cada vez mais o poder econômico e militar dos países convergem. 

Kissinger sabe que a guerra só acabará quando trouxer mudanças, e que outra etapa – outra crise – será necessária para incrementar os detalhes finais. Kissinger sabe muito mais do que nós imaginamos, e entender o quão ampla sua visão é pode nos servir de conhecimento para compreender até onde as forças em disputa vão chegar. Devemos observar a guerra na Ucrânia como um desdobramento de eventos anteriores, e seguir sua cronologia, e sua repercussão atual no sentido das mudanças geradas por ela em vários cenários. Nas palavras de Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia: "a Guerra acelera a Transição Ecológica". Para a elite, uma crise é uma oportunidade. Crise controlada gera mudança controlada. Se a própria líder da União Europeia declara isso sem remorso, tendo em vista que a crise energética acelera uma mudança em um aspecto fundamental, o qual envolve nossa economia, e nosso estilo de vida, então dessa vez devemos levar ao pé da letra, mas sempre à luz do conhecimento histórico que obtivemos através da leitura e da pesquisa. Os contratos do Nord Stream 1, que fariam da Europa dependente do gás russo não se assinaram sozinhos, eles foram assinados pelos líderes dos países europeus. Todos sabiam dos desdobramentos, pois suas decisões foram deliberadas. O que vemos são os resultados disso, e nada mais além disso.


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